quarta-feira, dezembro 12, 2007

Exacerbar O Consumo Onde Não Se Deve...

Cartão de cliente vai conduzir à "venda agressiva" de fármacos

12.12.2007, Joana Ferreira da Costa

Profissionais criticam programa da ANF que prevê cartão de crédito que permite aos clientes acumular pontos na compra de medicamentos


O cartão de crédito que a Associação Nacional das Farmácias (ANF) quer introduzir junto dos clientes das farmácias, permitindo-lhes acumular pontos pelos medicamentos que compram trocando-os por produtos de catálogo, vai "traduzir-se em vendas mais agressivas" pelos estabelecimentos, denuncia o movimento Fórum Farmacêutico. O sistema que a ANF quer generalizar entre as farmácias não traz receita garantida ao farmacêutico aderente, que terá de garantir que os clientes que acumularam pontos na sua farmácia os gastem ali.


O cartão cliente do Programa Farmácias Portuguesas - que a ANF está a promover entre os seus 2700 associados - permite ao cliente de uma farmácia acumular pontos na compra de medicamentos, que podem depois ser gastos em qualquer farmácia aderente num catálogo de produtos que inclui cosmética, medicamentos não sujeitos a receita médica e serviços como a medição de glicemia ou da tensão arterial. O objectivo da ANF "é fidelizar" o cliente ao Farmácias Portuguesas, afastando-o das parafarmácias, e enfrentar as alterações no mercado que hoje permitem a qualquer não farmacêutico ser proprietário de um estabelecimento. Mas nada no programa garante essa fidelidade, alerta o farmacêutico João Ferro Baptista do movimento Fórum Farmacêutico e ex-candidato à direcção da ANF.
"Ao comprar medicamentos, o cliente tem direito a um conjunto de pontos consoante o valor da venda, que depois podem ser convertidos em certos produtos do catálogo. Mas a farmácia que faz a venda vê imediatamente creditado cinco por cento do valor da venda pela empresa da ANF encarregue de coordenar o programa (Farminvest)", explica. "Esse valor só regressará à farmácia se o cliente gastar os pontos naquele estabelecimento, já que os pode descontar em qualquer farmácia do programa."
O farmacêutico diz que isso levará as farmácias aderentes a optar por uma política de vendas mais agressiva, tentando que o cliente gaste na sua farmácia os pontos que já acumulou ou acaba de receber. "Não é ético promover este consumo agressivo", defende Ferro Baptista. "O que se pretende com este programa não é fidelizar os clientes às farmácias, é fidelizar as farmácias à ANF", critica.
O cartão de crédito que as farmácias da ANF podem disponibilizar aos seus clientes - em parceria com a Caixa Geral de Depósitos - é a face mais visível de um amplo programa com que a associação pretende criar uma nova marca para as suas associadas. A adesão ao Programa Farmácias Portuguesas "impõe um pacote bem mais amplo de obrigações, que passam pelos horários, serviços ou produtos a disponibilizar aos clientes", alerta o movimento numa carta enviada aos farmacêuticos, onde pede aos proprietários das farmácias que estudem alternativas no mercado antes de aderirem ao contrato inicial de dois anos. "A ANF pretende criar uma rede de franchising puro e duro", alerta Ferro Baptista, lembrando que ainda não há dados sobre os custos para as farmácias da aquisição dos produtos, software informático, sistemas de sinalização exterior e produtos do catálogo, todos eles fornecidos por empresas ligadas à associação, que possui empresas de distribuição de medicamentos e de sistemas informáticos para as farmácias.
Na carta enviada aos associados da ANF, o movimento alerta que "muito em breve" vão chegar ao mercado soluções alternativas de parceira "sem que se tenha de comprar um pacote completo". Contactada pelo PÚBLICO, a ANF recusou-se a prestar quaisquer esclarecimentos sobre o programa, "por não os considerar oportunos", ou a reagir às críticas feitas pelo Fórum Farmacêutico.
A Associação Nacional das Farmácias transformou-se num poderoso grupo económico, com interesses em todas as áreas do negócio do medicamento. Além de reunir a esmagadora maioria das farmácias, possui empresas de comercialização de produtos farmacêuticos e meios de diagnóstico, de sistemas informação para as farmácias, de equipamento específico para os estabelecimentos, tem um laboratório de investigação sobre medicamentos, uma sociedade de factoring onde serve de intermediário nos pagamentos do Estado às farmácias associadas e controla uma importante parte do mercado da distribuição grossista de medicamentos, com participação maioritária na Alliance Unichem portuguesa. Está também ligada à prestação de cuidados de saúde privados através da parceria com o Grupo Mello, fazendo igualmente parte da sociedade gestora do hospital público Amadora-Sintra.