terça-feira, setembro 29, 2009

Aprender Com A Imprensa Regional e Local!

Foi no Díário de Coímbre, escrito por Ana Margalho.

Lê-se a notícia, descrevem-se os factos de uma forma independente. Gostei!

 

 

Tribunal julga médica acusada
de homicídio por negligência

Cardiologista dos HUC mantém convicção de que doente não apresentava
um quadro clínico que indicasse um enfarte agudo do miocárdio

O Tribunal de Coimbra começou ontem a julgar uma médica, assistente graduada em Cardiologia dos Hospitais da Universidade de Coimbra (HUC), acusada pelo Ministério Público (MP) de homicídio por negligência pela morte de um homem de 72 anos vítima de enfarte agudo do miocárdio.
O caso remonta a 22 de Março de 2004. João Santos deu entrada nas Urgências dos HUC, transferido do Hospital de Seia, com um diagnóstico de enfarte de miocárdio e foi recebido pela arguida que não confirmou o prognóstico. Observado por especialistas de Medicina Interna e de Gastroenterologia, o doente acabou por ser novamente transferido, por decisão da arguida, para Seia. O seu estado agravou-se naquele hospital, o que obrigou a nova transferência para o Hospital da Guarda e, posteriormente, novamente para os HUC, onde João Santos acabou por morrer, dois dias depois, de enfarte agudo do miocárdio, revelou a autópsia.
Confrontada com os factos, a arguida explicou que «para existir um diagnóstico de enfarte o doente tem de responder a pelo menos dois de três critérios, o clínico, o electrónico e o analítico». Ora, segundo G.C., os sintomas apresentados por João Santos (critério clínico) não tinham qualquer conexão com um enfarte, assim como os dois electrocardiogramas realizados nos HUC (critério electrónico) que se apresentavam sem alterações. Apenas as análises ao sangue (critério analítico) apresentavam valores fora do normal no que respeita às enzimas cardíacas. Mas, adiantou a arguida, «o mesmo pode acontecer quando, por exemplo, um doente tem uma insuficiência renal».
Apesar de não colocar de lado essa hipótese «em absoluto», G.C. considerou «que, perante estes critérios, não podia fazer diagnóstico de certeza de enfarte», justificando, por isso, o pedido de parecer aos colegas de Medicina Interna e, posteriormente, de Gastroentrologia, para avaliarem os diferentes sintomas, nomeadamente as dores abdominais e os vómitos que, segundo a arguida, «nunca estiveram associados a um enfarte agudo de miocárdio, pelo menos com aquelas características».

Medicina Interna
não quis o doente

Depois de passar por um internista e por um gastroentrologista, o doente voltou para os cuidados da Medicina Interna, nomeadamente do médico J.P.M., que à data dos factos era chefe da equipa de urgência e chefe da equipa de medicina. A arguida confirma ter “discutido” o caso com aquele médico e que não conseguiram concertar as opiniões divergentes que tinham sobre o caso: um apontava para enfarte agudo do miocárdio (J.P.M.) e outro (G.C.) para pneumonia e infecção generalizada.
Como estava «convicta de que o quadro cardíaco não era o prevalecente» e como J.P.M, que não colocou de parte a possibilidade de pneumonia, a informou de que, para aquela doença, João Santos poderia ser acompanhado no Hospital de Seia, não necessitando dos cuidados de um hospital central, concordaram em transferi-lo novamente para o Hospital de Seia.
Confrontada pela juíza, C.G. afirmou repetidamente que, na perspectiva cardiológica, o doente «estava em condições de ser transferido», apesar do seu estado grave, adiantando que terá solicitado que o doente ficasse aos cuidados da Medicina Interna. «Isso foi-me recusado, disseram-me que essa decisão não era da minha responsabilidade», adiantou.
«O colega não quis assumir o doente na Medicina Interna», acusou G.C., adiantando que terá sido J.P.M. quem lhe pediu «expressamente para assinar o documento para Seia, porque seria melhor aceite um cardiologista, uma vez que o doente tinha sido enviado com um diagnóstico de enfarte do miocárdio». A arguida acedeu porque confiou «na opinião do colega», mas solicitou a J.P.M. para que assinassem em conjunto o boletim de transferência, o que aconteceu.

Causa da morte
questionada pela arguida

De qualquer modo, e confrontada ontem pelo procurador do Ministério Público, a arguida afiançou que se não tivesse havido o pedido de transferência daquele médico, naquela altura seu chefe nas Urgências, «não daria ordem de transferência, embora continue a achar que o doente estava estável do ponto de vista cardíaco».
A actuação de G.C. junto de João Santos terminaria aqui se o doente, depois de transferido para Seia não tivesse agravado o quadro clínico, obrigando a uma nova transferência para o Hospital da Guarda e posteriormente novamente para as Urgências dos HUC, onde o doente acabou por morrer, às 11h00 do dia 24 de Março de 2004 - exactamente quatro dias depois de ter dado entrada nas Urgências do Hospital de Seia pela primeira vez – segundo o resultado da autópsia vítima de enfarte agudo do miocárdio.
Questionada pela juíza sobre os resultados da autópsia, a arguida diz-se «firmemente convencida que não foi o enfarte que causou a morte do doente» e, por isso, não concorda com os resultados da perita do Instituto de Medicina Legal. «Continuo a achar que o doente apresentava, na altura em que o observei, um quadro de pneumonia muito grave», afirmou G.C., acrescentando que «a ter havido enfarte, não seria de molde a causar a morte» de João Santos.
Interrogada ontem pelo tribunal, a arguida – especialista em Cardiologia há 18 anos - garantiu que hoje, mais de cinco anos depois dos factos, e depois de já ter falado sobre o assunto com várias pessoas, cardiologistas e médicos de outras especialidades, continua «convicta» de que fez a «opção correcta, com os dados que tinha nesse momento». «No momento em que vi o doente não era possível fazer um diagnóstico de enfarte», afiançou.

1 comentário:

Anónimo disse...

É difícil fazer um juízo clínico sobre este caso porque parece que todos tinham a sua parcela de razão. O problema da Medicina é que os doentes não seguem as regras e os protocolos que estão nos livros, aparecem com quadros clinicos incompletos ou então com mais que uma patologia. O desfecho é muitas vezes imprevisível. Infelizmente ainda sabemos muito pouco de doenças e de doentes e por isso mesmo é que casos como este acontecem todos os dias nos hospitais portugueses e de todo o mundo! E na verdade todos têm culpa e todos são inocentes!