A Visão Bio-Psico-Social do Sintoma
21:30, a hipoglicemia já dá sinal.
Entra mais uma doente. Levanto a cabeça e vejo uma jovem aparentando 16 anos. Caracteres sexuais secundários já bem desenvolvidos. Baixo os olhos e leio: 13 anos.
Primeira pergunta imediata:
- Vens sozinha? Venho. Responde.
- De que te queixas, para vires aqui à urgência?
- Dores de cabeça, muito fortes e aqui (colocando a mão aberta em cima da cabeça). Tou farta de aqui vir, só me passam medicamentos, não me fazem exames. Da última vez que aqui vim, o médico disse-me para trazer todos os medicamentos e depois me mandaria fazer um TAC.
- Então mostra lá os medicamentos. Abre o saco e vai tirando: ibuprofeno ratiofarma, aspegic 1000, benuron 500, naprozyn 500, nolotil, adalgur n e dafalgan.
(Penso: se a cada marca corresponder uma vinda à urgência, teremos 7 consultas em tão pouco tempo!)
Como me fazia um pouco de confusão, uma jovem de apenas 13 anos sozinha na urgência de uma cidade, voltei a perguntar:
- Onde está a tua mãe?
Responde de imediato: está lá fora a meter-se com os bombeiros. (Abri os olhos de espanto!)
- E o teu pai?
- Está bêbado no carro. Deve estar a dormir. (De espanto migro para a tristeza!)
- Tens irmãos?
- Tenho 8.
- E não te ajudam?
- Ajudar? Ainda são piores que os meus pais!
- Estudas?
- Não. Deixei de estudar o ano passado. O meu pai fartava-se de me bater.Por tudo e por nada. Fartei-me da escola.
- Olha, tenho muita pena de ti. Sei que és esperta. Para o ano tens que voltar à escola! Prometes?
- Sim. Já tinha pensado nisso. Mal por mal, prefiro a escola. Ainda aprendo alguma coisa.
- Ainda te dói a cabeça?
- Não. Já passou.
- Então vais fazer o que te vou dizer: não vais tomar mais esses comprimidos, vou-te receitar estes e tomas três por dia e se ainda te doer, aumentas para seis, 2 a cada refeição [Valdispert] e o mais importante, tens que ir falar com o teu médico de família. Ele é um especialista, conhece-te melhor e verá se é necessário ou não pedir um TAC, tá bem?
- Tá.
E despediu-se com um sorriso. (Fez-me lembar o do Fehér segundos antes de morrer).
Porque me teria lembrado do sorriso do Fehér?
Nem eu sei, mas imagino o percurso desta adolescente depois da minha conversa: carimbar a receita, procurar a mãe no meio dos bombeiros, acordar o pai bêbado no carro, aturar um ou outro irmão, ir à farmácia, ir, ir, fazer, acontecer ....... e tudo isto só com treze anos.
Aos treze anos do que mais gostei foi do apoio, do afecto, da compreensão, da orientação dos meus pais.
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