sexta-feira, março 31, 2006

Estudo Europeu Sobre Erro Médico

"Cidadãos têm medo mas confiam

Um estudo da União Europeia (UE) revelou que metade dos portugueses teme vir a ser vítima de um erro médico. Mas, apesar dos muitos receios, os doentes parecem confiar nos médicos. O «TM» ouviu alguns especialistas na matéria para saber como encaram estes resultados.
Cinquenta por cento dos portugueses receia vir a ser alvo de erros médicos e 59% considera ser provável sofrer um erro grave, provocado por um médico ou outro profissional de saúde, num hospital do nosso país. Estas são algumas das conclusões mais marcantes do estudo do Eurobarómetro da Comissão Europeia, o primeiro sobre erros médicos.
O trabalho, divulgado no início deste mês, revela que o erro médico é uma preocupação para a maioria dos europeus, embora a dimensão do fenómeno varie de forma considerável em todo o território europeu. Em média, 4 em cada 5 cidadãos do velho continente pensa que o erro médico é um importante problema no seu país.
Em Portugal, a percepção é semelhante – 77% dos inquiridos julga que o erro médico é uma questão preocupante. Mesmo assim, neste particular, estamos longe das cifras quase assustadoras da Itália, onde 97% dos cidadãos considera o erro médico um problema nacional importante.

Definição imprecisa

Mas quando se pergunta aos portugueses se pensam ser provável vir a ser alvo de um erro médico grave num hospital nacional, o número de respostas afirmativas (59%) coloca-nos em sétimo lugar, na tabela dos 30 países estudados, e acima da média comunitária (47%).
António Vaz Carneiro, médico e director do Centro de Estudos da Medicina Baseada na Evidência da Faculdade de Medicina de Lisboa, defende que estes números devem ser analisados com muito rigor, não só porque o problema do erro médico é complexo, mas também porque a percepção do conceito, por parte da opinião pública, é com frequência imprecisa. «Muitas vezes, aquilo que as pessoas pensam ser um erro médico é antes um efeito adverso ou uma reacção alérgica inesperada», explicou.
Por isso, Vaz Carneiro considerou, nas suas declarações ao «TM», que as pessoas estão confusas e, a crer nos números, muito assustadas, sem razão. «Se, de facto, mais de metade dos portugueses pensa ser possível um dia sofrer um erro médico grave dentro de um hospital nosso, então, estão fora da realidade, porque felizmente a percentagem de erro médico não é tão elevada», frisou.
Por seu turno, José Fragata, cirurgião e autor do livro O erro em Medicina, também ouvido pelo «TM», admitu que as cifras encontradas estão «dentro do que seria esperado», mas sublinha a peculiaridade deste estudo. Na verdade, os trabalhos até agora conhecidos (sobretudo oriundos dos Estados Unidos, Inglaterra e Austrália) baseiam-se na declaração voluntária ou revisão de processos feita por profissionais de saúde, enquanto o estudo da UE assenta em inquéritos efectuados ao público, «o que aumenta a sensibilidade, mas reduz a especificidade ou o rigor na definição de erro».
Neste contexto, o especialista destaca que, de acordo com o Eurobarómetro, o reconhecimento do problema entre a população é elevado, mas apenas um pequena parte declara já ter sido vítima de um erro médico (23%, no total, 16% em Portugal). Para o cirurgião, esta aparente discrepância «traduz bem o impacte da notícia e o papel dos media na divulgação, nem sempre bem feita, deste problema de saúde».
Já Guilherme de Oliveira, director científico do Centro de Direito Biomédico da Faculdade de Direito de Coimbra, disse ao «TM» que estes números estão em consonância com os resultados dos estudos realizados nos Estados Unidos sobre a matéria. «Não me admira que haja, na Europa, muito mais erro médico do que se pensa, se, de facto, a nossa realidade não for muito distinta da norte-americana. E os dados agora divulgados vêm mostrar que a população tem essa percepção ou, pelo menos, desconfia», afirmou o jurista.

Confiança nos profissionais

Apesar destas cifras reveladoras de uma apreensão generalizada em relação ao erro médico, é curioso notar que os cidadãos europeus parecem confiar nos seus profissionais. Entre nós, os dentistas são os mais merecedores da confiança dos utentes (70%), seguindo-se os clínicos e o restante staff médico (ambos 68%).
Vaz Carneiro não tem dúvidas que a confiança demonstrada nos médicos é «um sinal positivo para a classe», enquanto José Fragata defende que este resultado ilustra a «complexidade das determinantes da relação médico-doente», entre as quais se destaca a confiança, «parte integral do “contrato de tratar”».
No entanto, a educação dos doentes é uma «batalha difícil» e que «está longe de ser vencida». E essa é uma tarefa dos médicos, lembra Vaz Carneiro.

Nórdicos são excepção à regra

No meio de um mapa em que reina o pessimismo, a Finlândia e a Dinamarca parecem ser as excepções que confirmam a regra. Estes são os únicos países onde apenas menos de metade da população considera importante o problema do erro médico. Pelo contrário, em Itália, na Polónia e na Lituânia mais de 90% dos inquiridos encara a questão do erro médico como um problema de alto relevo no seu país.
No geral, os europeus confiam mais nos dentistas (74%) do que nos médicos (69%). Os menos confiantes nos seus profissionais são os gregos, os cipriotas, os búlgaros e os polacos, enquanto, uma vez mais, os finlandeses se distinguem pela positiva, ao serem os mais crentes na capacidade do seus recursos humanos da Saúde."

in "Tempo Medicina"

terça-feira, março 28, 2006

Gripe Aviária: Leia Um Cheirinho De Ciência

Retirado do Jornal Tempo Medicina.

A lista de pessoas que vão ter prioridade na quimioprofilaxia da gripe foi encarada pelos meios de informação geral «de uma forma muito desagradável» e numa «perspectiva negativa», disse Graça Freitas, no Porto, lembrando que tal medida é para «benefício da sociedade».

A questão da lista das pessoas com prioridade para receber oseltamivir, recentemente apresentada, foi levantada por Filipe Fróis, do Serviço de Pneumologia do Hospital de Pulido Valente, no passado dia 18, no decorrer de uma mesa dedicada à pandemia da gripe, integrada nas Jornadas Galaico-Durienses, que decorreram no Porto.

Este médico referiu que o assunto foi divulgado à população «de uma forma extremamente negativa», sendo «útil esclarecer os colegas sobre os critérios que presidiram à elaboração dessa lista de pessoas indicadas para fazer quimioprofilaxia de longa duração».

A subdirectora-geral da Saúde Graça Freitas, prelectora nesta mesa, reconheceu que, de facto, houve «situações muito desagradáveis» na informação, garantindo que esta medida «não vai privilegiar elites», nem os cidadãos incluídos são beneficiados.

«Pelo contrário, são pessoas que vão trabalhar no duro horas e horas a fio», acentuou. Como explicou, Portugal procedeu como todos os países desenvolvidos, visto que a reserva de oseltamivir, além de contemplar o tratamento para 2,5 milhões de portugueses, se destina também à quimioprofilaxia das pessoas «consideradas prioritárias», porque vão «prestar serviços essenciais ao País».

Quanto aos critérios, Graça Freitas esclareceu que não foram apenas contemplados médicos e enfermeiros, sendo a escolha feita por «um grupo de peritos», em função do tecido social e seus grupos profissionais, e, naturalmente, «com base na literatura internacional».

A responsável disse mesmo que, se vier a contrair a gripe, gostaria que «um dos médicos presentes ou outro qualquer» estivesse saudável para a tratar. «Isso é a noção de quimioprofilaxia prioritária», frisou, garantindo que «o resto da população não vai morrer por falta de medicamentos».

Planos de contingênciaNa sua apresentação, dedicada ao tema «Que fazer antes, durante e depois» da pandemia da gripe, centrado, nomeadamente, na aplicação do plano de contingência, que como se sabe se estende a vários ministérios e empresas, Graça Freitas disse que foi necessário fazer cenários, os quais tiveram que ser revistos.

O cenário mais crítico apresentado refere-se a um pico de uma semana em que, com uma «taxa de ataque» de 25%, estarão doentes 413 mil pessoas. A subdirectora-geral da saúde enumerou ainda outros cenários para consultas médicas no período pandémico, apontando quatro eixos «importantíssimos» que estão a ser desenvolvidos: «A informação em saúde, a prevenção e controlo com medidas de Saúde Pública (internamento, ambulatório, vacinas e medicamentos), a comunicação e a avaliação do processo».

A responsável disse que estão a ser criados mecanismos para «impedir fugas de medicação armazenada», lembrando que quando os frascos do fármaco forem distribuídos aos centros de saúde, farmácias e hospitais, o mesmo doente, com o mesmo episódio de gripe, só pode ter acesso a uma receita. «Mesmo que vá a 10 médicos diferentes, tem que haver algum tipo de controlo, e isso passa obviamente pela informática», sublinhou, lembrando ainda que «há que impedir os médicos de prescreverem a quem não reúna critérios para prescrição».

Mutação adaptativa.

Na mesma reunião, Maria de São José, professora da Faculdade de Farmácia da Universidade do Porto, fez o ponto da situação da gripe aviária, lembrando que um dos receios mais evidentes é que os humanos possam ser infectados de forma concomitante com o H5N1 e o vírus da gripe sazonal.

Neste caso pode ocorrer a recombinação, ou seja, a mistura dos genes de uma estirpe humana com o H5N1, situação que, informou a especialista, «daria ao vírus da gripe aviária aquilo que ele pretende: possibilidade de se transmitir facilmente, adquirindo uma hemaglutinina». Mas também a mutação adaptativa pode ocorrer, já que «quanto mais tempo este vírus estiver no homem mais possibilidades temos que recomece a adaptar-se», sublinhou Maria de São José, reconhecendo que «a situação não é, de maneira alguma, favorável para nós».

Como lembrou, a evolução do H5N1 durante os anos 2004-2005 foi «muito preocupante», sobretudo porque «aumentou a variedade de hospedeiros» e começou a matar aves migratórias e também gatos e tigres (147 tigres, segundo disse, morreram na Tailândia por comer carcaças de galinhas infectadas).

Falência multiorgânica: Maria de São José comparou a gripe de 1918 com a gripe aviária, no que diz respeito a severidade, lembrando que os doentes têm apresentado, além da pneumonia viral primária, que se complica depois com a síndrome de dificuldade respiratória aguda, «uma falência multiorgânica», inferindo que «parece ser a resposta imunológica a responsável por este quadro tão dramático».

De qualquer forma, a farmacêutica referiu que, apesar de hoje se tentar extrapolar a mortalidade desta gripe para a de 1918, temos que pensar que presentemente temos muito melhores cuidados de saúde, muito mais medicamentos, mais meios de diagnóstico e muito maior capacidade de produção de vacinas.
Por outro lado, em 1918 havia «uma população muito mal nutrida, saída de uma guerra».

Traçando um quadro mais optimista, Maria de São José disse que o H5N1 pode continuar a ter dificuldade em «saltar a barreira das espécies, como de resto continua a ter, se atendermos aos milhões de aves de capoeira que já foram infectadas» e aos 177 casos humanos. «Sabemos que não estamos perante um vírus humano» e que ele «tem dificuldade em se adaptar à multiplicação nas nossas células», disse, concluindo, ainda num cenário optimista, que o H5N1 «pode nunca chegar a ter capacidade de se transmitir de pessoa a pessoa».

H5N1 «aumentou a estabilidade ambiental»«O vírus está muito mais voltado para as aves domésticas e para os modelos animais, e aumentou a estabilidade ambiental, o que começa a tornar possível a transmissão ambiente-pessoa, como já aconteceu em alguns casos através de fezes de galinhas ou de outras aves domésticas doentes», salientou Maria de São José.

De resto, para a especialista, o que se passou na Turquia foi «alarmante» (aparecimento de 20 casos humanos em apenas duas semanas), já que no Sudoeste asiático, conforme recordou, «nunca se criaram clusters tão grandes», o que a levou a concluir que aí possa ter havido também transmissão inter-humana.

Por outro lado, «mostrou-se que as estirpes H5N1 isoladas na Turquia começaram a apresentar alterações preocupantes, ou seja, uma mutação», sublinhou a especialista, esclarecendo que isso «faz com que a hemaglutinina da gripe aviária já comece a aumentar a sua afinidade para os sectores das células humanas»....

A gripe e o «empolamento interno» O «empolamento interno e internacional» relativamente à gripe das aves foi criticado pelo pneumologista José Miguel de Carvalho, do Hospital de Santarém, ao defender que o que se tem visto até agora são «situações autonomizadas».

«Por exemplo, na Turquia não haverá grandes meios», em termos de equipamentos sociais e de habitação, e «noutros locais as coisas acabam por ser evitadas». O facto de morrerem 100% das aves infectadas não é novo para este especialista, uma vez que se trata de «um mecanismo de autolimitação de expansão» da doença com a mortalidade.

«Até agora não temos exemplos de que o tal cenário catastrofista seja real», disse, considerando que, no entanto, continua-se a «vender o panorama de pânico» de 1918.

«Acho que há uma distorção», sublinhou. O pneumologista recordou que, apesar de tudo, há muitas doenças subestimadas no mundo. «Muitas pessoas morrem por falta de tratamento e, mesmo nos nosso país, há falta de dinheiro para comprar os remédios e às vezes morre-se por causa disso», acrescentou, lembrando ainda que «em muitos locais as autoridades de Saúde subestimam essa questão, mesmo a nível internacional».

terça-feira, março 21, 2006

Passo Dias E Dias Sem Ver Ninguém... (cont.)

E revendo a sua ficha de entrada, hoje era o seu dia de aniversário. 77 anos.

E não lhe dei os parabéns!

E será que alguém se lembrou?

Passo Dias E Dias Sem Ver Ninguém...

... acaba de afirmar a doente ao levantar-se após a consulta e fechando a porta do gabinete médico da urgência.

Satisfeita porque já falou com alguém, desconhecido, mas alguém que a ouviu.

As queixas foram muitas e o médico tem que compreender que ISTO para a doente era uma urgência. Por isso a mediquei com antidepressivos, enquanto a ia ouvindo, mas o melhor seria prescrever-lhe o antigo companheiro que a deixou há 10 anos. Ela tem agora 77.

Para o médico será sempre uma FALSA urgência. E para a estatística.

Dramas sociais em directo, que a Internet nos gabinetes médicos permite postar.

segunda-feira, março 20, 2006

Para Os Pais Que Merecem Ser Trocados Por Dois Peixinhos Vermelhos


Com a devida vénia transcrevo este post do blog portocarago:



"Neil Gaiman e Dave McKean juntaram-se em boa hora para escrever um daqueles livros que os adultos compram desculpabilizados com a desculpa de ser para as crianças: "O Dia em que troquei o meu pai por dois peixinhos vermelhos".
A história é muito simples, à falta de cromos, um menino resolve trocar um pai que passa o tempo todo a ler o jornal. O problema é que a mãe não está muito pelos ajustes. E o segundo problema é destrocar todas as trocas sucessivas.

Neil Gaiman e Dave McKean, O Dia em que troquei o meu pai por dois peixinhos vermelhos, Vitamina BD / Devir Livraria, Lda., 56 págs., 15.00E
"

domingo, março 19, 2006

Manuel Antunes: Quem Lhe Pagará As Horas Extraordinárias?

Manuel Antunes afirmava dias atrás, a propósito da redução de gastos em horas extraordinárias, "assim mais vale entregar as chaves"... do seu serviço de cardiologia nos HUC. Criticou o ministro e o seu governo porque lhe tocava no ordenado.
Sabemos da enorme dedicação do pessoal do seu serviço que recebe horas extraordinárias 24 sobre 24 horas. Não critico. As horas extraordinárias são para quem trabalha. E trabalha-se muito, não só no serviço do senhor dr Manuel Antunes, mas também em muitos outros serviços dos cuidados de saúde primários, secundários e terciários e altamente diferenciados. Uns mais visíveis que outros.

Mas, pergunta Manuel Antunes...

"Financiamento do Serviço Nacional de Saúde: chegou a hora de mudar?"

Sabemos que há muito que mudar no Serviço Nacional de Saúde.
Há abusos por parte dos profissionais e por parte dos doentes!
Há desperdício generalizado, por parte dos utentes e dos profissionais!
Há muita irresponsabilidade e desresponsabilização por parte das administrações, dos profissionais e dos, novamente, utilizadores!

E segundo Manuel Antunes: "optemos pelo princípio do utilizador-pagador. Em minha opinião, este é o melhor modo de contribuir para a sustentabilidade do nosso SNS e para evitar a perda da sua universalidade. De outro modo, são os mais pobres quem mais tem a perder."

E perderão.

O Serviço Nacional de Saúde tem que ser financiado pelo Estado no seu todo.
As regras têm que ser mudadas, os utilizadores têm que saber quanto custam ao Estado e têm que ser responsabilizados pelos seus gastos, assim como os prestadores têm que ser responsabilizados pelas suas prescrições...

sábado, março 18, 2006

Escrevia Um Jornalista ...

... num jornal diário, dissertando sobre a "visita" do Ministro Correia de Campos ao Parlamento que as USF (Unidades de Saúde Familiar) iriam substituir os SAP encerrados.
O leitor não tem conhecimentos para saber se a notícia é falsa ou não.
Lê e inconscientemente vai armazenando a informação (errada).
Um médico ou outra pessoa ligada à organização dos Cuidados de Saúde Primários percebe que há um erro crasso na notícia.
Mas, o que mais me preocupa é o facto de o erro esconder uma realidade muito mais profunda do meio jornalístico: quem comete um erro deste quilate demonstra que não tem conhecimento nenhum sobre a organização dos Cuidados de Saúde Primários, nem a presente, nem a futura com as Unidades de Saúde Familiar, que serão, não uma alternativa aos Centros de Saúde, mas uma nova forma de trabalhar para os médicos de família e uma nova forma de assistência para a população, particularmente nas grandes zonas urbanas.
As USF com o seu funcionamento moderno e mais próximo da população que assistirá poderá ser a pedrada no charco que são os grandes Centros de Saúde das cidades.
Centros de Saúde impenetráveis para a população activa que esporadicamente deles possa necessitar.
As USF poderão gerir melhor as necessidades dos doentes crónicos, os quais, pela organização "caixificada" dos actuais Centros de Saúde ocupam todo o tempo assitencial disponível.
Isto o jornalista não saberá, concerteza ao dizer que as USF irão substituir os SAP encerrados...

terça-feira, março 14, 2006

Falar Sobre Jornais?

Já desisti.
Hoje lendo vários jornais, perdi a conta às notícias sobre as variadas "negligências" anunciadas.
Em algumas notícias concluí que poderia haver matéria para negligência, mas a forma de as tratar, reality-showando-as confundem o leitor e ficamos sem perceber o desenrolar dos factos.
Desde a verruga saltitante, que deu um pulo de uma mesa directamente para o caixote do lixo, até à agulha que perfurou o pulmão durante uma infiltração na omoplata, OBVIAMENTE evidente erro, passando pela absolvição da mártir de Matosinhos que era acusada por um casal de pais leigos e ansiosos de ter recusado assistência médica a uma criança saudável e cujos jornais ainda hoje referiam: "Médica acusada de recusar assistência absolvida".
Paradigmático este título. Foi absolvida pelos tribunais, mas continua a ser acusada pelos títulos dos jornais.
Até o coitado do juíz parece que a absolveu, apenas porque a não pode condenar. Não tinha provas, conclui-se. Mas já as tinha quando acusou a médica, na leitura da sentença, de falta de solidariedade.
Como se vê, é um juíz português: absolvo-te, mas acuso-te.
Não dá para criticar mais. As palermices são tantas...

domingo, março 12, 2006

Vocês Falam, Falam, ... Mas Os Médicos Também Sofrem

Para uns, os médicos são seres que nunca adoecem...

Para outros, os médicos têm que ser aquilo que Salazar impunha às enfermeiras e hospedeiras: não-seres humanos, estereotipos sempre ao serviço de quem precisa, com a nuance de qque, quem decide o quê e quando precisa é quem está "precisado". Doente imaginário ou real.

Para outros, ainda, os médicos são uma merda (todos os médicos são uma merda!) porque um deles fez merda ao próprio, ao primo, ao cunhado ou simplesmente ao vizinho!

Pois, mas os médicos também sofrem e são apanhados de surpresa muitas vezes e com a particularidade de desenharem logo o seu futuro próximo e verem o seu mundo a desmoronar num segundo.

No dia x falei horas com um médico amigo, revivemos o passado, falamos do presente e imaginamos o futuro próximo e longínquo, com muitos desenhos.

Marcamos novo encontro para quando o destino nos juntar, pois virtualmente vamos falando...

No dia x+1, perguntam-me:

- "Conheces o fulano?"
– "Perfeitamente, fomos colegas de curso!", respondo eu.
- "Olha, palpou uma adenopatia, foi ao hospital x e diagnosticaram-lhe um tumor com diversas metástases. Tá difícil! E esteve sempre assintomático!"

Difícil foi para mim gerir as emoções, mas lembrei-me: partilhar isto com o Mundo ajuda e assim talvez compreendam que os médicos são iguais a eles e não lhes podem resolver todos os seus problemas porque também não podem resolver os seus...

sexta-feira, março 03, 2006

Para Reflectir

Do jornal Tempo Medicina:

"Esperança de vida «aumenta quatro anos» em 2016

Cada dois anos e meio que passam a nossa esperança de vida aumenta um ano, «o que significa que em 2016 vai aumentar quatro anos em Portugal», disse Sobrinho Simões.

O director Ipatimup, que falava à margem da apresentação dos testes, referiu que «por cada ano de esperança de vida aumenta muito o número de cancros» diagnosticados, embora isso não intervenha de forma decisiva no número de mortes. «Felizmente, como estes cancros não são muito agressivos, não têm aumentado a mortalidade», afirmou.

Mas o facto de dois anos e meio corresponderem a um ano mais de sobrevida é, para o director do Ipatimup, «assustador», embora considere que esta situação não persistirá indefinidamente: «Isto não será sempre assim, a evolução é em planalto, mas é impressionante verificar quanto a Medicina tem conseguido aumentar a sobrevida das pessoas»."

Maria João Pires E Os Jornalistas

E depois não há iliteracia nos nossos jornais...

Ontem fui ouvindo.

MJP teve um efarte.

MJP não teve um enfarte, mas sim uma válvula entupida e vai fazer um by-pass. (Na TSF. Esta é a linguagem que usa o meu doente mais analfabeto. O jornalista quereria dizar coronária!)

MJP teve um mal-estar cardíaco e já recuperou.

MJP teve um enfarte e vai fazer um cateterismo.

MJP tem uma coronária constrangida.

E hoje finalmente o Jornal de Notícias anuncia: "MJP teve um enfarte do miocárdio e recuperou!" Um enfarte do miocárdio e recupera como que por milagre no dia seguinte!

O que todos queriam dizer era que MJP teve a famosa "angina de peito" ou síndrome coronário agudo.

As suas coronárias provavelmente "entupidas" de colesterol...

quarta-feira, março 01, 2006

Medicina Interna: Uma Especialidade Ameaçada

Retirado do jornal Tempo Medicina:

"A Sociedade Portuguesa de Medicina Interna (SPMI) reuniu, pela primeira vez, os internos da área. Este encontro teve como objectivo promover o «espírito de corpo» e motivar os jovens médicos para a defesa e promoção da imagem da «sua» especialidade.

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Este 1.º Encontro Nacional dos Internos de Medicina Interna, que juntou cerca de 60 jovens médicos, pretendeu sobretudo cativar os recém-especialistas para a defesa da especialidade.

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De facto, como pano de fundo deste encontro estiveram os resultados de um estudo efectuado pela APEME, uma empresa especializada em planeamento e estudos de mercado, que revelou, entre outros dados, que 80% dos internistas considera que a especialidade está «seriamente ameaçada» ou «ameaçada».

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Estes internistas consideram que a flexibilidade na construção da carreira, o «prazer intelectual de fazer um bom diagnóstico», a possibilidade de «fugir» ao excesso tecnicista, a autonomia do internista ou a capacidade para aplicar as diversas aprendizagens e de ver o doente como um todo são alguns dos atractivos da especialidade.

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A ideia de que os internistas podem desempenhar um papel preponderante nos novos modelos de gestão hospitalar que estão a ser ensaiados entre nós foi também trabalhada por um terceiro grupo de internos. Este delineou alguns argumentos, que podem ser apresentados em defesa desta tese. É possível, por exemplo, demonstrar o valor económico da prática da especialidade, evidenciando as vantagens de criar um «grande departamento» de Medicina Interna, que traria melhorias ao nível da gestão dos recursos, e de profissionalizar as urgências (o que libertaria os internistas para o trabalho assistencial).

Por fim, um último grupo de jovens clínicos delineou uma estratégia de comunicação para promover a imagem da especialidade. Posicionar o internista como o especialista de referência, o médico hospitalar fácil de localizar; promover a sua imagem como médico que está sempre presente no hospital, constantemente activo e a quem o doente pergunta o nome foram ideias sugeridas."


Segundo noticiaram os jornais, alguns hospitais de Lisboa já encerraram/desactivaram alguns serviços autónomos de Medicna Interna...