terça-feira, maio 22, 2007

Para Pensar.

Sucesso é reduzido

Gastar dinheiro para preservar células do cordão umbilical é erro, defende especialista do IPO

O responsável pela unidade de transplantação de medula óssea do Instituto Português de Oncologia, Manuel Abecassis, considerou hoje não valer a pena gastar mais de mil euros na criopreservação de células estaminais do sangue do cordão umbilical.

"Não sei exactamente para que serve [a congelação do sangue]", afirmou Manuel Abecassis aos jornalistas, após ter participado no 3º Congresso Português de Medicina da Reprodução, onde falou sobre o tema "Criopreservação do sangue do cordão umbilical para uso autólogo (próprio): será justificável?".

"Nestes milhares de sacos de sangue congelado em todo o mundo há três casos de sucesso, portanto, não se pode dizer que não serve para nada, mas o que se pode dizer é que a probabilidade de utilização é muito baixa e, provavelmente para todos os casos, há alternativas", justificou.

O responsável afirmou que se tivesse agora um filho "pegava nos 1.200 euros e comprava certificados de aforro", e quando ele tivesse 18 anos entregar-lhe-ia os títulos.

"Acho que ele ficava muito mais satisfeito do que se lhe desse o sangue do cordão umbilical", ironizou, acrescentando que a "probabilidade de utilização para uso próprio é tão pequena que não há benefício".

Para o especialista, a criopreservação das células estaminais do sangue do cordão umbilical vende porque "está a ser uma moda".

"As pessoas são livres de fazerem o que quiserem. Entendo que a actividade privada não deve ser proibida, como acontece em Itália e em Espanha, mas temos que ter a certeza que as empresas que a praticam dão informação científica rigorosa e objectiva aos seus potenciais clientes, e isso não está a acontecer", disse.

Manuel Abecassis afirmou que os sites das empresas privadas que se dedicam à congelação do sangue do cordão umbilical "não contêm informação correcta, rigorosa e objectiva", sendo "muito fantasiosos".

"Estamos muito longe daquela recomendação da União Europeia de que a informação deve ser cientificamente válida", sustentou.

O responsável criticou o facto de as empresas portuguesas que desenvolvem esta actividade apresentarem esta técnica aos pais como "um seguro de vida para o filho", dando a entender que o sangue "pode servir para tudo e mais alguma coisa".

Em contrapartida, o responsável defendeu a criação de um banco público de sangue do cordão umbilical, afirmando que "faz falta".

"Temos conseguido obter sangue de cordão umbilical noutros países, e com regularidade temo-lo feito. É possível que existindo um banco da população portuguesa se consiga obter amostras que sejam geneticamente mais favoráveis", disse.

O especialista salientou, no entanto, que a criação de um banco deste tipo "tem que ser muito bem pensada", por se tratar de "uma iniciativa que não pode falhar".

"Tem que se ter objectivos claramente definidos, metas para os conseguir alcançar e, sobretudo, saber de onde vem o financiamento", defendeu. n

Lusa

sábado, maio 05, 2007

Prof. José Manuel Silva A Bastonário!

Subscrevo integralmente.

Este homem merece ser Bastonário.

"Michael Porter e Correia de Campos
Artigo do Prof. José Manuel Silva*

Não, não se preocupem que não confundo as duas personalidades!

Michael Porter é um reconhecido e laureado economista, especialista em estratégia competitiva e profundo conhecedor da Saúde; em co-autoria com Elisabeth Teisberg escreveu um livro notável -- Redefining Health Care. Creating Value-Based Competition on Results.

Um pequeno resumo das ideias veiculadas nessa magnífica obra, cuja leitura recomendo vivamente, em particular aos responsáveis nacionais e locais da Saúde, foi agora publicado (JAMA, 2007; 297: 1103-11). Vale a pena salientar algumas frases:

- Embora as propostas de reforma da Saúde difiram, têm isto em comum: todas examinam o sistema actual e perguntam que modificações, impostas de fora, podem efectivamente controlar os custos, que são elevados e aumentam continuamente. Esta abordagem do problema falhará, porque começa com uma falsa premissa. O objectivo do sistema de Saúde não é minimizar os custos mas fornecer valor aos doentes, ou seja, mais saúde por cada dólar gasto.

- É necessária uma maior liderança dos médicos, agora. A única solução real para o problema nacional da Saúde é aumentar dramaticamente o valor dos cuidados de saúde prestados com o dinheiro que está a ser gasto. Isso nunca será conseguido do exterior, remendando esquemas de pagamento e incentivos. Aumentar o valor dos cuidados é algo que apenas pode ser conseguido pelos médicos.

- A competição na Saúde é disfuncional quando cada interveniente no sistema ganha não porque aumenta o valor para os doentes mas porque rouba valor de outros (diminuir tempos de consulta, esmagar salários, restringir serviços, transferir custos, etc.). Nenhuma destas medidas melhora os resultados da Saúde por cada dólar gasto -- de facto, muitas vezes tem o efeito inverso.

- A competição pelos resultados (melhor saúde por dólar gasto) produziria múltiplos vencedores: os doentes, que receberiam melhores cuidados, os médicos, que seriam recompensados pela excelência, e os custos, que seriam contidos.

- Um sistema baseado em valor fundar-se-ia em três princípios simples: 1) o objectivo é o valor para os doentes; 2) os cuidados de saúde devem ser organizados em redor de condições médicas e dos seus ciclos de cuidados, não em serviços de especialidades que obrigam o doente a percorrer múltiplos departamentos; 3) os resultados são medidos e divulgados (na cirurgia de by-pass coronário, a mortalidade em New York diminuiu 41% nos primeiros quatro anos de comunicação de resultados).

Tudo ao contrário

Basta olhar para a política de Correia de Campos para percebermos que tudo está a ser feito ao contrário. Os objectivos são exactamente os de esmagar salários, restringir serviços, transferir custos para os doentes, asfixiar instituições, substituir recursos públicos por privados… Nada que um qualquer coveiro de um qualquer cemitério deste país não conseguisse fazer. É o caminho mais fácil e o que exige menos conhecimento, experiência e inteligência.

Nestes dois anos de mandato do actual ministro da Saúde, apenas duas medidas são, de facto, de elogiar: a diminuição do preço dos medicamentos e o tímido início da criação de economia de escala com centrais de compras. Há muitos anos que defendo uma moderna e funcional central de compras do Ministério da Saúde para consumíveis, incluindo medicamentos; a poupança seria de milhares de milhões de euros! Mas talvez afectasse alguns interesses…

Todas as restantes medidas visam o racionamento cego, as pseudo-grandes reformas estão encalhadas, as nomeações continuam a ser maioritariamente de carácter nepótico e os «pequenos poderes» exercem-se de forma discricionária, liquidando totalmente a microeconomia do SNS (será esse o objectivo oculto?...).

A reforma dos cuidados de saúde familiares, a mais importante e determinante reforma da Saúde (cujo êxito se deseja e se exige!), caminha a passo de lesma e prenhe de problemas e indefinições. O que tem reflexos graves para todo o sistema de Saúde, nomeadamente para as Urgências hospitalares. Começando com uma excelente ideia, a filosofia das USF, colocou-se o carro à frente dos bois. Pela admirável generosidade e idealismo de muitos, interesses particulares de alguns e pressões sobre outros, constituiu-se pouco mais de meia centena de USF, claramente aquém das expectativas e das necessidades, e sem o devido enquadramento jurídico. Entretanto, induziram-se mais elevados níveis de organização e responsabilidade, o aumento das listas de utentes e maiores cargas de trabalho, mantendo o mesmo acanhado vencimento base dos médicos e com alguns colegas, inclusivamente, a perder dinheiro (o sonho de qualquer ministro! Por isso, o ministro quer mais USF modelo A, sem definir as respectivas regras e compensações…)!

Reforma subvertida

A reforma das Urgências está a ser totalmente subvertida pelas sucessivas decisões ministeriais. Até se inventa a sandice da «valência peculiar» da «Ortopedia a quente» para justificar o não cumprimento do relatório da CTRAPU no que respeito ao Curry Cabral (como é que alguém pode produzir estas atoardas e continuar ministro da Saúde?!).

Confirma-se aquilo de que já se suspeitava, o ministro apenas queria um relatório descartável, que pudesse usar a seu bel-prazer e lhe permitisse fechar SAP indiscriminadamente. Assim, poupa nos anéis e corta os dedos! Nada faz para cumprir o relatório da comissão pela positiva, mas vai fechando toda a assistência médica de proximidade em situações de urgência, ainda antes da implementação das imprescindíveis alternativas.

O que se passa no distrito de Bragança é vergonhoso e perigoso, mas traduz fielmente os objectivos do actual Governo: encerrar progressivamente o Interior do País. A rede de Urgências ainda não está implementada, a rede e o equipamento de emergência pré-hospitalar são uma miragem, a VMER de Bragança está frequentemente INOP, não há um regulamento das consultas abertas, mas os SAP já vão ser encerrados. Porém, como o ministro até reconhece a necessidade de «qualquer coisa», porque as populações ficam demasiado desprotegidas, transforma os SAP em SEP, ou seja, serviços de enfermagem permanente (ao aceitar esta caricata situação, a Ordem dos Enfermeiros evidencia a sua visão distorcida da equipa de saúde e que a sua prioridade não é a qualidade dos cuidados prestados aos cidadãos)!

O mesmo ministro que teve o despudor de dizer que um médico com estetoscópio num SAP não oferecia confiança (não obstante a presença de enfermeiro e auxiliar e os recursos técnicos e físicos existentes), agora já acha que um enfermeiro oferece confiança e segurança às populações?! Não representa esta medida uma profunda hipocrisia? O senhor ministro, quando está gravemente doente, recorre a um enfermeiro e depois pede-lhe para chamar um médico que pode estar até meia hora de distância? O ministro da Saúde está a insultar a inteligência e a brincar com a vida dos portugueses! E pretender que uma linha telefónica ineficiente (24 Horas, 30/04/07), milionária, espartilhada e burocratizada, independentemente das informações úteis que dispense, pode substituir o atendimento médico urgente presencial é raiar a insanidade e o cinismo!

Até quando?

Vai morrer gente no distrito de Bragança em situações de urgência/emergência por falta de assistência médica, é inexorável. Mas claro, lá iremos ter o INEM a lavar as mãos e o senhor ministro a orgulhar-se de não abrir inquéritos. Mas deve estar todo contente porque vai poupar mais uns euros em horas extraordinárias… Até quando?...

Alguns médicos, mesmo não sendo sequer obrigados a concordar com o regime de chamada, vão aceitá-lo, inclusive permanecendo em presença física durante a noite. Por consideração para com os doentes. Mas o ministro não merece essa consideração. Parece-me chegada a altura de os sindicatos dos médicos pegarem frontalmente na questão dos vencimentos base dos médicos, que são inaceitavelmente baixos, como até este ministro já reconheceu. Vamos dignificar o preço/hora dos médicos, lutando pela sua duplicação (no mínimo!), e aceitar a diminuição do valor das horas extraordinárias para metade. Os benefícios para os médicos e para as suas reformas são evidentes.

Quanto ao senhor ministro, finalmente deixará de andar obcecado com as horas extraordinárias dos médicos, deixará de agitar publicamente recibos de horas extraordinárias, deixará de condicionar a política de Saúde e a assistência aos doentes em função das mesmas, e deixará de as poder usar como arma de arremesso quando lhe convém (basta recordar o elucidativo e cirúrgico título de primeira página do JN de 23/04/07, com óbvia origem ministerial: «Médicos travam mudança dos centros de saúde para manter horas extras»…).

Fica este forte e sério desafio aos sindicatos; curiosamente, era um favor que faziam aos médicos, aos doentes e às obsessões do senhor ministro da Saúde…

*Presidente do Conselho Regional do Centro da Ordem dos Médicos

Subtítulos e destaques da responsabilidade da Redacção

TM ONLINE de 2007.05.03
0718ANT5F0307JMA18B "