terça-feira, dezembro 19, 2006

Em Tempos de Solidariedades Bacocas E Exploradoras...

Não posso deixar de lembrar este poema de António Gedeão (biografia do Instituto Camões) sobre o Natal. E ainda corria o ano de 1961 quando foi publicado ...

Não posso deixar de lembrar o espectáculo Dança Comigo deste último Domingo, bom, sob o ponto de vista televisivo, mas subliminarmente escandaloso:

- Porquê pedir dinheiro para os serviços do SNS, a quem o não tem ?

- Porquê para o Serviço de Pediatria do IPO ?

- Porquê um Serviço de Pediatria e não um de Geriartria ?

- Porquê o IPO, um hospital EPE e rico (e de onde saiu Maria de Belém para o BES...) ?

- Porque não o Centro de Saúde de Fornos de Algodres ou o Hospital de Seia, muito mais carenciados ?

- Quem lucrou com 12 horas seguidas de promoção: a RTP? A embaixadora Catarina Furtado? Os outros participantes?

- A imagem de Catarina Furtado saiu reforçada para novas publicidades? O seu "preço" subiu?

- O mesmo com a RTP com aumento do share, se é que o houve?

- Porquê passar a mensagem subliminar do consumismo ao escolher uma empresa de crédito fácil e rápido ? Quantas chamadas foram feitas para essa empresa nesse dia ? Com quanto contribuiu essa empresa ?

- Onde foram depositados os milhares "sugados" aos sentimentos nobres de quem participou?

- Quem vai gerir? Quem vai controlar ?

- E os bancos e os seus gestores, também deram a sua contribuição?

- Afinal, quem mais lucrou com as 12 horas seguidas de promoção? E a publicidade que a RTP angariou?

O poema de António Gedeão... para reflectir!

DIA DE NATAL (escrito em 13 de Janeiro 1960)

Dia de Natal
Hoje é dia de era bom.
É dia de passar a mão pelo rosto das crianças,
de falar e de ouvir com mavioso tom,
de abraçar toda a gente e de oferecer lembranças.

É dia de pensar nos outros— coitadinhos— nos que padecem,
de lhes darmos coragem para poderem continuar a aceitar a sua miséria,
de perdoar aos nossos inimigos, mesmo aos que não merecem,
de meditar sobre a nossa existência, tão efémera e tão séria.

Comove tanta fraternidade universal.
É só abrir o rádio e logo um coro de anjos,
como se de anjos fosse,
numa toada doce,
de violas e banjos,
Entoa gravemente um hino ao Criador.
E mal se extinguem os clamores plangentes,
a voz do locutor
anuncia o melhor dos detergentes.

De novo a melopeia inunda a Terra e o Céu
e as vozes crescem num fervor patético.
Vossa Excelência verificou a hora exacta em que o Menino Jesus nasceu?
Não seja estúpido! Compre imediatamente um relógio de pulso antimagnético.)

Torna-se difícil caminhar nas preciosas ruas.
Toda a gente se acotovela, se multiplica em gestos, esfuziante.
Todos participam nas alegrias dos outros como se fossem suas
e fazem adeuses enluvados aos bons amigos que passam mais distante.

Nas lojas, na luxúria das montras e dos escaparates,
com subtis requintes de bom gosto e de engenhosa dinâmica,
cintilam, sob o intenso fluxo de milhares de quilovates,
as belas coisas inúteis de plástico, de metal, de vidro e de cerâmica.

Os olhos acorrem, num alvoroço liquefeito,
ao chamamento voluptuoso dos brilhos e das cores.
É como se tudo aquilo nos dissesse directamente respeito,
como se o Céu olhasse para nós e nos cobrisse de bênçãos e favores.

A Oratória de Bach embruxa a atmosfera do arruamento.
Adivinha-se uma roupagem diáfana a desembrulhar-se no ar.
E a gente, mesmo sem querer, entra no estabelecimento
e compra— louvado seja o Senhor!— o que nunca tinha pensado comprado.

Mas a maior felicidade é a da gente pequena.
Naquela véspera santa
a sua comoção é tanta, tanta, tanta,
que nem dorme serena.

Cada menino
abre um olhinho
na noite incerta
para ver se a aurora
já está desperta.
De manhãzinha,
salta da cama,
corre à cozinha
mesmo em pijama.

Ah!!!!!!!!!!

Na branda macieza
da matutina luz
aguarda-o a surpresa
do Menino Jesus.

Jesus
o doce Jesus,
o mesmo que nasceu na manjedoura,
veio pôr no sapatinho
do Pedrinho
uma metralhadora.

Que alegria
reinou naquela casa em todo o santo dia!
O Pedrinho, estrategicamente escondido atrás das portas,
fuzilava tudo com devastadoras rajadas
e obrigava as criadas
a caírem no chão como se fossem mortas:
Tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá.

Já está!
E fazia-as erguer para de novo matá-las.
E até mesmo a mamã e o sisudo papá
fingiam
que caíam
crivados de balas.

Dia de Confraternização Universal,
Dia de Amor, de Paz, de Felicidade,
de Sonhos e Venturas.
É dia de Natal.
Paz na Terra aos Homens de Boa Vontade.
Glória a Deus nas Alturas.

(retirado daqui.)

2 comentários:

naoseiquenome usar disse...

Ora aí está, expresso por alguém com visão da época e do futuro, que o Natral é o que o homem quiser :) Bum! BUM!
Mas que também disse "Estou aqui, construindo um novo dia. Porque o dia constrói-se, não se espera"!

Anónimo disse...

Parabéns pela escolha!
Acertou no meu poema favorito de Natal de um dos meus poetas favoritos! É dia de ser bom! De dizer adeuzes enluvados... é uma delicia.
CF