De um e-mail enviado à "redacção" do blog, embora sem pedido de publicação, mas não impedindo:
"Hoje, a realidade que se vive em Portugal é, no entanto, completamente diferente. Tendo o país atingido níveis bons de saúde, níveis já aceitáveis de resposta, a geometria dos sectores público e privado está a alterar-se de uma forma significativa. A oferta privada é agora mais abundante, geralmente de maior qualidade e, em alguns casos, tecnologicamente apetrechada, ao mesmo tempo que o sector público se tende a organizar em termos jurídicos, com vista a uma melhor gestão conducente a melhores cuidados e resultados em saúde. Segundo dados recentes do INE, a produção privada em saúde já atingiu o valor de 30%.
(in Relatório da Primavera 2008 – OPSS, p.3)
Aqui está um exemplo acabado de manipulação das palavras a alertar para a necessidade de se ser absolutamente explícito naquilo que se diz e escreve, principalmente num documento com esta relevância.
Atribuir ao Relatório uma afirmação segundo a qual o sector privado responde melhor, é uma completa mistificação relativamente ao que está escrito.
Aquilo que se está a comparar é o sector privado dos primeiros anos de vigência do SNS com o mesmo sector privado no momento presente. E o que se diz é que ele tem agora “geralmente maior qualidade” relativamente ao que apresentava há uns anos atrás.
É sabido que a grande imprensa não lê um documento desta extensão e nível técnico. Quando muito pega na introdução e conclusões finais. E basta que alguém encontre ou pense ter encontrado um soudnbite para que ele apareça replicado numa reacção em cadeia.
E este soundbite lança facilmente a confusão no grande público e na classe política, muito frágeis para este nível de discussão.
1º - Porque gera de imediato um uma predisposição para focalizar o problema numa particularidade e num determinado contexto
2º - Porque não é de todo verdade.
Esta afirmação, truncada na sua verdade, passa a vincular uma outra mensagem que, tomada dum modo absoluto e definitivo (como é regra dos media), esquece a parte fundamental das determinantes.
O que é responder melhor ? Quem avalia ? e sobre que aspecto ?
Para um utente “atender melhor” tem sobretudo a ver com a acessibilidade, conforto, atenção, simpatia, acolhimento.
Para os técnicos (apenas preocupados com a técnica) “atender melhor” relaciona-se fundamentalmente com o cumprimento do “estado da arte”.
Para os gestores de saúde “atender melhor” significa perseguir a melhor relação do binómio custo-benefício.
Para os políticos “atender melhor” depende fundamentalmente do impacto mediático das opções e do discurso inerente.
Por outro lado este “atender melhor” está intimamente relacionado com as escolhas do sector privado. E elas advêm do que é rentável e não do que é necessário. Ou seja, ao privado está reservada a prorrogativa da “selecção”, e esta é adversa por regra à doença crónica, ao grande trauma, às doenças catastróficas e ao grande risco cirúrgico Quanto mais simples e reproductível for o procedimento, mais prevalentemente for a patologia e menor risco comportar a intervenção, melhor. É o princípio da “linha de produção” e da “grande superfície”. Por isso as patologias menos habituais são tão pouco atractivas.
Parece-me que os responsáveis do OPSS deveriam esclarecer este viés de leitura, se é que o interpretei correctamente.
HB"