sexta-feira, abril 23, 2010

Carta à Srª Ministra da Saúde

De um dos jornais médicos que habitualmente me chegam ás mãos e pela pena de um jornalista da área da saúde (desconheço se pertence ao corpo redactorial ou é colaborador de algum orgão generalista da imprensa escrita ou outra) respinguei este naco de divertida prosa e que não resisto a partilhar com os leitores deste blog.

A este propósito e porque alguns emails me/nos têm chegado, indagando do meu/nosso relativo silêncio, diga-se que os MEMAIs estão vivos, atentos e de boa saúde...apenas a justiça é lenta e a fase é de mandar tudo abaixo de Braga...

Mas que se cuidem os "escrevinhadores" e quejandos que tantos nos adoram... somos dos de antes quebrar do que torcer...


PONTO DE VISTA

Senhora ministra da Saúde

Só o facto de saber que o motivo pelo qual ouso roubar-lhe uns minutos do seu precioso tempo contribuirá, simbolicamente, é certo, mas contribuirá, para resolver um dos principais problemas que a atormentam — e vá lá, porque entrevejo a possibilidade de dar largas à minha veia assistencial — demoliu as últimas barreiras de timidez à proposta que tenho a honra de lhe apresentar.


Eu escrevo neste Jornal há mais de 15 anos, e a previsível força das circunstâncias levou a que, hoje, eu saiba de cor várias guidelines, conheça a descrição de múltiplas doenças e os remédios que lhes são mais adequados, com os seus temidos, ou nem por isso, efeitos adversos.
Eu sei, por exemplo, perdoe-me V. Ex.ª a jactância, de estudos que visam a padronização da técnica de PCR-RFLP para avaliação do SNP-C11377G da região promotora do gene da adiponectina, o que me granjeia olhares de respeito, não isento de temor, por parte dos clientes do café onde tomo a bica; eu sei que a digoxina tem uma janela terapêutica estreita (livre-se V. Ex.ª de explicar isto a um mestre de obras com insuficiência cardíaca, porque ver-se-á envolvida numa luta entre janelas); eu sei que os AINE, nos velhinhos, podem causar graves complicações hemorrágicas e renais, mortais até; eu sei que a água pode ser muito perigosa, mesmo fatal, quando entra no organismo em sentido proibido, como atestam inchadamente os afogados; eu sei…

Bem, por aqui me fico, pois não quero que a vaidade tolde, aos olhos da sr.ª ministra, o genuíno impulso generoso que me anima, a par, evidentemente, de um legítimo anseio de arredondar o vencimento, nesta época tão dificultosa que nos é dado viver.


No fundo, o que pretendo significar com estes exemplos é que me sinto habilitado para dar consulta num centro de saúde, de preferência numa região do País das menos atractivas, onde escasseiam médicos com canudo e abundam doentes com patologias triviais, pois não têm rendimento para sofrer das doenças da civilização. E, claro está, eu comprometer-me-ia a recorrer a um clínico encartado em caso de dúvida — ou a um cangalheiro na ausência desta.


Mais não faço, aliás, do que me louvar em idêntica atitude do presidente do Sindicato Independente dos Profissionais de Enfermagem, que exprimiu, na semana passada, com toda a candura, a mesma disponibilidade (infelizmente, o eco que suscitou nem de longe reflectiu a singular dimensão do gesto), o que prova que as boas ideias, contra a opinião negativa generalizada, têm, afinal, invejável potencial de multiplicação. E creia, sr.ª ministra, que estou preparado para enfrentar sorrisos, risos alvares e toda a sorte de depreciações, incluindo dúvidas sobre a perfeição do meu juízo. Há um preço a pagar quando se caminha adiante do futuro, bem ciente estou dessa fatalidade, olá se estou!


Fico a aguardar com expectativa a resposta de V. Ex.ª, que adivinho favorável, dado o exposto, e que muito enobreceria a minha família, que sempre quis que eu fosse doutor.


De V. Ex.ª atento, venerador e obrigado…

João Paulo de Oliveira
joao.oliveira@tempomedicina.com

TEMPO MEDICINA 1.º CADERNO de 2010.04.26
1013841C30310JPO16B


3 comentários:

Alexandre Leite disse...

Viva! Será possível comentar esta notícia?
http://www.cmjornal.xl.pt/noticia.aspx?contentid=4CCC7854-3473-46E5-9E1D-B5188D9E0944&channelid=00000021-0000-0000-0000-000000000021

"O toureiro espanhol José Tomás encontra-se nos cuidados intensivos de um hospital mexicano após perder seis litros de sangue no sábado, na sequência da cornada de um touro que perfurou 15 centímetros na perna esquerda junto aos genitais, rompendo veias e a artéria femoral."

6 litros???

Anónimo disse...

De facto esta noticia mesmo só de jornalista de Imprensa médica...Claro, há que lamber as botas aos doutores...

Acredito que o que foi dito pelo tal enfermeiro, possa não ter sido o momento certo e as palavras mais acertadas. No entanto, como bom Jornalista, porque não fazer uma investigação bem aprofundada acerca do desenvolvimento da profissão médica e de enfermagem, por exemplo nos EUA??

Então constataria, que porvávelmente aquilo que esse senhor pede, não está longe de uma inevitável evolução de ambas as profissões e até em alguns aspectos aquem do que já acontece.

Sou profissional de saúde, estive a fazer uma pós graduação nos states e pude constatar o que lá se passa. Só para aqueles que são leigos saibam, existem de facto enfermeiros com competências profissionais no ambito da medicina geral e familiar, que no inicio foram criados com cursos equivalentes a pos graduações, mestrados ou doutoramentos para o efeito com duração de 4 anos ( só para que saibam a licenciatura de medicina é de 4 anos - praticamente com aquisição de competencias clinicas, pois os candidatos ingressam com uma licenciatura em ciencias basicas)e essa pos graduação de enfermagem, como dizia, era para suprimir a falta de médicos para assistências em determinadas zonas rurais onde não os havia ou determinados grupos socias excluidos ou marginalizados. mais tarde, após se terem efectuado estudos cientificos para avliar a eficiência desses cuidados, por parte dos enfermeiros, as próprias companhias de seguros de saúde começaram a contratar tambem os enfermeiros para efectuarem consultas aos seus segurados, pois os preços eram inferiores aos dos médicos. Actualmente, a discussão já esta mais avançada e já há algumas companhias a pagarem os mesmos preços, aos enfermeiros pois, segundo alguns estudos, para alem de de atingirem a mesma eficiencia técnico-cientifica, são mais "prestáveis e atenciosos" ( está assinalado assim, porque é conforme apraece em muitas conclusões de estudos efectuados).

Para concluir, de facto, a história da enfermagem e da medicina, sempre caminharam lado a lado e conforme a prática da medicina atinge elevado grau de complexidade, os enfermeiros vão ficando, se assim se pode dizer, com áreas menos complexas, dando espaço para os doutores se dedicarem ás areas de maior grau de complexidade.

Claro que muito se diz acerca da organização do Sistema de Saúde Norte Americano, mas o que lá de facto não está bem, é a acessibilidade, justiça e equidade. Quanto à parte cientifica, conhecimento e prestação de cuidados de facto, são dos melhores.É que por mais que queiramos ou não, eles são dos povos mais pragmáticos que há. Mas não só nos EUA, esta situação começa já a proliferar por muitos países da Europa,provavelmente os mais evoluídos...Claro que a Europa sempre foi um continente mais conservador, mas a coisa vai lá, queiramos ou não, nós por cá...

Anónimo disse...

gostei de ler a sua carta aberta á Ministra, sou enfermeira e todos sabemos o que se passa por ai,e as necessidades de saude que a população tem.
neste momento é adiar o inadiavel.com prejuizo para todos.
Os incentivos das USF revelam a necessidade e a fraqueza do SNS.
falta assumir a interrelação das profissoes