De Acordo!
Na revista XIS do Público, de 25 de Novembro, por Marta Condesso, de Aveiro.
"Às Médicas que assistiram o Meu Pai
Esperei, propositadamente, o passar do tempo, para que não questionassem a lucidez das minhas considerações. Sou filha de um doente oncológico, falecido há um ano. O que se segue não são, portanto, palavras precipitadas (de quem está "louco" com a dor de uma perda recente).
Venho, porque me impus este dever, convencida que estou de não falar só por mim, mas também em nome de muitas outras famílias. E na esperança (vontade séria e profunda) de que origine reflexão e mudança.
Venho pela distância (inaceitável). Venho pelo desacompanhamento. Venho pela inexistência de relação médico-paciente. Venho pelo sempre pouco tempo. Pela indisponibilidade manifesta. Venho pelo(s) silêncio(s). Venho por uma "parede" difícil de enfrentar (quando as forças eram precisas noutras "frentes"). Venho pelos monossílabos, "gelados", em que nos falavam: em voz baixa, de olhos postos nos papéis ou no écran do computador; depois de intermináveis momentos de indiferença à nossa presença (nunca desnecessária, abusiva, ignorante): nós, ali, ao alto; humildes e em sofrimento.
Venho porque ouvir o meu pai (juiz desembargador, portanto, "viciado" na racionalidade, moderação e contenção dos seus juízos) dizer "Eu não hei-de morrer a estas mãos!" foi terrível. E é grave.
Estou obviamente consciente do avultado número de doentes; da responsabilidade do vosso trabalho; da escassez do vosso tempo e da excelência do vosso saber científico. Mas não é isso, evidentemente, que está em causa. Falo da Dignidade na doença (da privação dela!), quando mais do que nunca ela é importante. Falo de um grau mínimo de exigência...
Refiro-me a toda uma (outra) atitude; a um outro uso do mesmo tempo em consulta: olhar (Olhar nos olhos) é fundamental e básico numa relação que se pretende de confiança; cumprimentar e despedir com um sorriso; revelar uma disposição e um ânimo atentos; transmitir disponibilidade e calma; mostrar interesse e empenho (em vez de um distanciamento terrivelmente constrangedor), não é "leviandade" nem nada tem a ver com a gravidade do problema ou com "falsas esperanças".
Exercer Medicina numa área particularmente difícil como é a vossa, em que difíceis serão sempre todos os pacientes (independentemente dos diagnósticos: mais felizes ou menos), só pode obrigar a um relacionamento especial: de mais comprometimento; mais exigente; mais sensível; mais entregue! Estabelecê-lo parece-me uma obrigação profissional. Melhorarem (melhorarem muito, na minha opinião): uma urgência.
Há uma percentagem no Sofrimento (todo) do meu pai, por que o vosso comportamento é responsável. E isto é difícil de esquecer... Acrescentar-se a tantos sentimentos "negros e fundos", que já suporta uma pessoa gravemente doente, a sensação de absoluto abandono, de solidão e frieza, em relação ao seu médico, será com certeza negligente.
Resta-me lamentar ainda que, com este não-envolvimento (no que respeita à dimensão humana — que tentei expor e que não pode considerar-se um "extra") percam a oportunidade de conhecer pessoas incríveis, raras, maravilhosas (e perdoem-me a parcialidade de acrescentar: como o meu pai), que passam por essas salas (às vezes durante tanto tempo). É uma pena. É uma pobreza. Mas é, acima de tudo, profundamente injusto.
Despeço-me, com a tranquilidade do "dever cumprido": escrevendo, tento que não volte a acontecer com ninguém!
13 de Novembro de 2006"
O que gostava de saber:
- A que nível de cuidados de saúde se passou?
- Qual a duração da doença?
- Como evoluiu a fase terminal da doença?
- A posição das médicas?
- Existiu o sentimento de impotência? Ou de desleixo? Ou de frieza?
- Não teriam faltado os cuidados paliativos ou continuados?
8 comentários:
Há um paragráfo, o 3º, que me sensibilizou.
Porque, infelizmente, às vezes, revejo-me nele... Não por falta de compaixão, mas por falta de coragem.
Todos nós temos dias menos bons. Todos nós.
mas será isso desculpável?
concordo com os dias menos bons.
bem sei que todos os temos, e por exemplo, com a inexperiencia é muito facil ser-se confundido, com frio, com pouco interessado. mas não terão os médicos o dever de superar isso a bem dos seus doentes, e das suas necessidades? (pedindo desculpa pela intromissão)
Ora, ora...
Teria existido tudo e nada!
Teria eventualmente existido muito saber científico e pouca humanização. Ou a sensação da falata dela...
E... convenhamos: neste relato que interessam a posição das médicas? Iriam, no caso em concreto anuir? ... Isso daria uma tese, um caso para investigação... e não um artigo de uma revista apêndice de um Jornal Diário mas que sai a o fim de semana...
Cuidados paliativos???
Precisam-se, sim!
Não interessam as posições das médicas?
A NSQNU não é apologista do contraditório?
:)
Não neste contexto de "folhetim"
(...)"Estou obviamente consciente do avultado número de doentes; (...) da escassez do vosso tempo"(...)
Isso não explica tudo, mas explica certamente alguma coisa.
É porém lamentável que isto suceda assim, demasiadas vezes. É fundamental assegurar-se o conforto e a paliação, que passa obviamente por uma boa relação médico-doente.
Última nota: ainda bem, neste caso, que o Pai faleceu junto dela, e não num Hospital qualquer, sozinho num quarto por entre desconhecidos.
AV
Sou médico há pouco mais de um ano. Tento cumprimentar todos os doentes e familiares com um sorriso. Mas reconheço que nem sempre é fácil. Há dias maus. Há doenças desanimadoras. E lidar com doentes terminais diariamente? É pesado. Não sei o que me reserva o futuro. Não sei se conseguirei conservar o calor. Tenho esperança que sim. Tenho medo que não...
acho que esta filha vui tudo o que infelizmente se passa nos hospitais e doi tanto ver uma pessoa que a gente tanto ama e a sofrer tanto e nao ter ao menos uma palavra de conforto e acho que os funcionarios dos hospitais haviam de ser penalizados desde o maior ao mais pequeno
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