sábado, fevereiro 10, 2007

"Ciência, convicções, fraude e a dor fetal."

"Em artigos publicados em revistas científicas (e não meras opiniões não fundamentadas, em debates televisivos), alguns têm defendido que o feto nunca sente dor.

Nunca, até ao fim da gravidez. Muito provavelmente, isto não é verdade. Não é crível que assim seja. Às 24 semanas estão já estabelecidas as ligações entre o tálamo e o córtex que permitirão ao feto estabelecer contacto com o mundo exterior e sentir. Todas as mães (e muitos pais) sabem que o seu feto (bebé, criança é só quando nasce!) reage a estímulos nos últimos 3 meses da gravidez. Reage com movimentos ("pontapés") a carícias dos pais, tranquiliza-se com a voz de ambos, com música agradável.

Os receptores nervosos começam a formar-se logo entre as 8 e as 15 semanas, mas são como tomadas sem corrente num edifício em construção; a electricidade só é ligada quando passa ser habitado. Ou seja, depois das 24 semanas. Muito provavelmente só às 30, quando a EEG mostra que o feto já consegue estar "acordado".

A evidência científica actual é a de que a dor implica percepção e consciência do estímulo doloroso. A dor é uma experiência emocional e psicológica, resultado de activação cortical. A reacção a estímulos externos, às 8 semanas, é um reflexo primitivo, que pode existir com estímulos não dolorosos. Como a nossa perna salta quando o martelo bate no joelho. É resultado de um curto-circuito entre receptores e músculos, através da medula espinal, sem passar pelo cérebro. Sem vontade e sem consciência. Sem dor.

O feto de 10 semanas não tem dor, não tem vontade, não tem vigília, não tem consciência. As primeiras ligações ao córtex cerebral em formação, acontecem entre as 23 e as 30 semanas. Mas anatomia é diferente de função. A evidência mais precoce de actividade cortical é entre as 29 e as 30 semanas.

Numa área cientificamente controversa, em pleno calor de uma campanha, afirmações não comprovadas (pseudo-científicas) são tudo menos honestas e responsáveis. Não há argumentos científicos neutrais. O que há são dados científicas, que passam o rigor da comprovação, da revisão por pares antes da aceitação por revistas internacionais. E mesmo estes estão sujeitos a um escrutínio permanente por parte de novos estudos.

A Organização Mundial de Saúde aconselha mesmo que se não deve dar anestesia ao feto antes do 3º trimestre para cirurgia ou abortamento. Por não estar provado que o feto sinta dor nos seis primeiros meses (muito pelo contrário) e pelos riscos aumentados para a grávida. As afirmações em sentido contrário ao estado actual dos conhecimentos, são apenas poeira lançada aos olhos de quem já não quer ver. São convicções e crenças de quem toma partido.
Provada, essa sim, está a dor das mulheres que sofrem as complicações de saúde e as consequências legais dos abortamentos clandestinos. E há que tentar acabar com ela, como tem vindo a suceder em tantos outros países.

Aos dogmas o "não" acrescentou a fraude e a argumentação pseudo-científica. O papel da ciência é fazer perguntas e pôr dogmas em causa, desconstruir mitos e crenças e fortalecer as nossas convicções.

Pela minha parte, estou cada vez mais convicto. Por isso só poderei votar SIM."


JORGE SEQUEIROS
MÉDICO GENETICISTA, PROFESSOR CATEDRÁTICO ICBAS E IBMC (UP).
PRESIDENTE DO COLÉGIO DE GENÉTICA MÉDICA (ORDEM DOS MÉDICOS);
MEMBRO DO CONSELHO NACIONAL DE ÉTICA PARA AS CIÊNCIAS DA VIDA. MANDATÁRIO DO MPE.

11 comentários:

naoseiquenome usar disse...

Um dia talvez consiga pôr aqui uma opinião sua.
De resto, ficamos todos convencidos que esta postagem à semelhança da da "Fraude continua", não o vincula.

Luna disse...

Opinião própria ou não, será concerteza a opinião da maioria dos portugueses consciencializados no próximo domingo...
Dia 11, também eu voto SIM!

naoseiquenome usar disse...

Vamos esperar por dia 11.
Posso estar enganada, mas desconfio que vai ser uma noite lindaaaaaaaaaaaaa, em que menos de 50% da população irá votar com todas as leituras que daí advêm. Leituras e não só.

Anónimo disse...

não percebo tanto rancor, NSQNU. Eu voto Sim. Mas de facto não tenho mais que respeitar a opinião da maioria ou pelo menos da mioria dos que votarem. Se for não é não. As coisas ficarão na mesma. É contudo uma perspectiva que devia preocupar muita gente....
CF

Anónimo disse...

Temo a experiência do Sim no Referendo me comova mais do que aquilo que seria justificável. Sou cronicamente dada a choradeiras, facto.
A circunstância de partilhar ideais tão concretos advogando-os colectivamente numa gramática de inusitada lealdade -- que se sabe circunscrita no tempo -- como que nutre uma espécie de fé (que ao limite poderia independer da causa em questão, bem sei). No entanto, tudo se conjuga sem assombro: causa e forma. Não somos melhores por aquilo que defendemos. A recursividade é outra: defendemos leis e estruturas que, acreditamos, nos ajudam a ser mais justos e melhores enquanto sociedade. E isso permanece na serenidade de um regresso. As convicções inabaláveis, pessoal ou colectivamente defendidas, são as frágeis certezas da democracia . É assim que é justo.
Votem Sim ou Não mas votem
Eu seguramente voto Sim

Maria João (aquela com identidade bem marcada)

Anónimo disse...

"Um dia talvez consiga pôr aqui uma opinião sua.
De resto, ficamos todos (TODOS _ ela e Deus na certeza) convencidos que esta postagem à semelhança da da "Fraude continua", não o vincula. " Daqui se deduz que segundo a personagem com personalidade volátil, o criador do Blog é um tontinho telúrico que não é capaz de criar uma opinião, mesmo perante factos científicos, que coloca estes post em estado de semi-hipnose, e no fundo está a ser condicionado por alguma mente maléfica. Não há paciência

Maria João (verdade acordei com mau feitio)

naoseiquenome usar disse...

Obrigada pela preciosa ajuda resultante, por certo, de pura distracção.

Ficam aqui, na íntegra, as palavras do autor do blog, proferidas a propósito do anterior "manifesto", igualmente dos MPE:

Medico Explica disse...

Não compreendi o conteúdo dos primeiros dois comentários:
1) no primeiro, se o comentador não sabe a diferença entre SEXO e REPRODUÇÃO, o problema não é meu. Para os católicos não há sexo, apenas mete/tira, ejacula e nova vida!

2) Para a NSQNU, limitei-me a reproduzir um comunicado de uma organização (à qual não pertenço) sobre afirmações de uma cientista e contestada pela referida organização.


PS: diariamente no Iraque morrem às mãos de Bush dezenas de pessoas, homens, mulheres, crianças e fetos de mulheres grávidas, todos com experiências dolorosas incríveis e não vi ninguém propor um referendo mundial para acabar com essa mortandade.
7:58 PM

Anónimo disse...

Sem dúvida era bom que o Medico tivesse a amabilidade de esclarecer as suas duvidas – Ser na idade dos porquês.
Para mim é obvio que ele considera que haveria muito mais coisas que deveriam ser referenciadas, mas é claro que como homem democraticamente adulto e esclarecido vai cumprir com o seu direito de voto no dia 11 de Fevereiro. Sabe, é quem nem toda a gente vive no mundo da fantasia, e considera que deviam existir reis e rainhas, príncipes e princesas, para optar por nós, houve quem já atingiu a maturidade. Viva a Democracia

maria joão
cristã de matriz católica [pouco participante nos ritos e, sobretudo, novo-testamenteira], alinho à direita [no sector de esquerda], socióloga e feminista convicta [mas uso sutiãn...].

Médico Explica disse...

Mas será que alguém duvida da minha posição no referendo. Vejam o post.

Anónimo disse...

Obviamente que eu não tenho, o Ser da personalidade escorregadia é que tem. :-)
E já agora parabéns pelo seu Blog
http://mulheresforadehoras.blogs.sapo.pt/

naoseiquenome usar disse...

Minha querida:
Os seus alunos certamente agradecerão que:
- saiba escrever;
- saiba ter pensamento crítico e discernimento.

Nunca pus em causa o sentido de voto deste sr.
O que pus em causa foi a adesão ou não ao conteúdo dos "manifestos" que veicula.
Ele já o afirmou não poder pronunciar-se sobre isso por não ser "cientista".
Acha-se no entanto no direito de lhe chamar "fraude".