quarta-feira, maio 12, 2004

Sanguessugas!

Sou convidado para o lançamento nacional de um novo (?) medicamento. Convite semelhante aos convites que acontecem em todas as outras áreas de actividade.

A empresa, uma multinacional, esmerou-se convidando centenas de médicos com maior potencial de prescrição. Em tudo idêntico à escolha dos convidados em todas as outras áreas de actividade: convidar quem, à partida, possa melhor comercializar (vender) o produto.

Instalar os convidados num dos melhores hotéis de ***** da capital é ponto de honra. Em tudo idêntico à acomodação oferecida a convidados de outras áreas de actividade (lembro-me do INATEL ter acomodado dezenas de jornalistas em Porto Santo para apresentar os seus planos, lembro-me de uma empresa ter convidado dezenas de jornalistas para uma deslocação à Eurodisney para apresentar os seus projectos).

Antes do jantar, uma sessão científica com alguns cérebros médicos nacionais relacionados com a doença para a qual o medicamento está direccionado. Noutras actividades, a sessão científica será substituída por uma festa escort, muito privada, como aconteceu em muitos lançamentos de produtos.

Na sessão científica um conhecido professor expunha num slide a história da evolução do tratamento de determinada doença. No início da década de 50 do século passado, afirmava que se usavam no seu serviço hospitalar sanguessugas para diminuir a volemia em determinados doentes.

Afirmou que assistiu ao seu desaparecimento e que tinha medo de assistir à sua reentrada no serviço à boleia do revivalismo das chamadas "medicinas alternativas" e naturais.

Por mera coincidência, no dia seguinte, o Público publicava longas páginas sobre as "medicinas alternativas", entrevistando os seus praticantes, descrevendo os seus eventuais benefícios, descredibilizando a medicina-ciência, publicitando gratuitamente (ou não!) empresas, praticantes, práticas, etc.

Por outro lado, como as sanguessugas são muito mais baratas que os medicamentos, até eu não me admiraria que futuramente se prescrevesse numa ficha hospitalar: R/ sanguessugas – 4 sessões diárias, 3 x por semana, ou até: R/ 1 litro de chá de barbas de milho.

Após o jantar, um concerto. Noutras actividades ou com outros convidados, talvez um concerto pimba, ou uma sessão de striptease consoante os participantes: feminino, se os convidados fossem do ramo automóveis) ou masculino, se fosse uma empresa de cosméticos. Mas sempre com o mesmo objectivo: deixar os convidados bem impressionados e cativá-los para o lançamento do produto.

Após o concerto, regresso ao hotel. Noutras actividades, com outros convidados, talvez a continuação da festa escort, talvez uma noite na discoteca com bar aberto, sei lá, tanta coisa que se pode fazer à noite.

Mas afinal de que sanguessugas falei?

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