sexta-feira, julho 23, 2004

Confesso Que Cometi Um Erro Médico!

Confesso que errei.
O erro médico existe e eu errei!
Erro sem consequências graves.
 
Mas errei. Errei na prescrição.
 
Olhando para trás, pergunto como foi possível prescrever ao doente X uma fluoxetina genérica em vez de uma sinvastatina genérica?
 
Não era um doente de grande risco cardiovascular. Para além da hipertensão ligeira e controlada, tem uma dislipidemia borderline, mas como sou agressivo no tratamento destes doentes, para além do ácido acetilsalicílico de 100 mg, há três meses iniciei-lhe 20 mg de sinvastatina para um colesterol total de 200 mg/dl e  a fracção LDL de 133 mg/dl.
 
Ontem, no consultório particular, quando consultava no monitor a sua prescrição, não vejo a dita sinvastatina e pergunto: "Não está a tomar um remédio para o colesterol?"
 
- "Tou!" respondeu o doente.
- "Fluo qualquer coisa", diz. 
- "Eu de facto tenho aqui uma fluoxetina, mas isso não é para o colesterol. É para a tristeza, a depressão!"
- "Não andou triste há 3 meses, para eu lhe prescrever isto?", insisto como a tentar encontrar uma justificação para a presença da fuoxetina naquela lista de medicamentos.
- "Não. O dr disse-me que me ia receitar um remédio para o colesterol nessa altura!"
 
Não disse nada, mas pensei: "Errei. Troquei a prescrição! Tenho que confessar ao doente que andou a tomar durante três meses um medicamento errado."
 
Assim fiz.
Era um doente diferenciado, intelectual urbano (dos poucos que controlam a pressão arterial, o colesterol e tomam uma aspirinasita para prevenir eventos cardiovasculares!), expliquei-lhe que estavamos na presença de um erro médico, neste caso sem consequências graves e pedia-lhe desculpa.
Expliquei que a informatização e a prescrição electrónica diminuem os erros , mas não os eliminam. Disse que os doentes devem sempre confirmar os medicamentos prescritos lendo o papelinho no interior que presentemente lhes é dirigido e portanto com uma linguagem muito mais acessível e logo veria que o medicamento não era para o colesterol mas sim para outras situações.
 
Voltei a insistir que não tinha uma explicação lógica para o sucedido e lhe renovava as desculpas. 
 
Desculpas aceites.
 
E se não fosse um intelectual compreensivo? Daqueles que sabem que o erro médico não é negligência? E se fosse num serviço público? Teria no dia seguinte a TVI, a SIC, o 24 Horas e outros com estas "caxas":

"Troca de medicamentos durante três meses quase que levava doente à morte!"  ou "Engano de medicamentos origina grande sofrimento a doente, com dores de cabeça, suores frios, pontadas por todo o lado, com altos na barriga e tonturas fequentes".

Mas não foi assim que se passou.

O erro médico existe, temos que o combater, mas não se pode eliminá-lo porque somos humanos, assim como em nenhuma outra actividade se podem eliminar na totalidade.

Mas há que estar alerta: nós, os médicos, e os doentes, os principais prejudicados.


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