domingo, março 07, 2010

O direito a morrer e o jornalismo responsavel

Mulher, 67 anos, sozinha, com cancro

Uma portuguesa pediu ajuda e foi morrer à Suíça

07.03.2010 - 08:48 Por Alexandra Campos

Pela primeira vez um português morreu com a ajuda da associação suíça Dignitas, organização que promove o suicídio assistido. Era uma mulher de 67 anos, divorciada e sem filhos, que sofria de um cancro em fase terminal, não conseguia suportar as dores e temia ficar incapacitada a ponto de não conseguir deslocar-se à Suíça para pôr fim à vida. Acompanhada de dois amigos, tomou uma substância letal em Junho de 2009.
Sede da Dignitas, em Zurique: a associação tem seis mil membros Sede da Dignitas, em Zurique: a associação tem seis mil membros (Christian Hartmann/Reuters)

"Estou a sofrer desde 2007 devido a um cancro que começou no estômago e que agora se confirmou que não tem cura. [...] Estou a tomar drogas que quase não têm efeito e está a tornar-se insuportável viver com a dor", descreve no depoimento em que justifica o pedido de auxílio para o suicídio assistido.

O médico que a seguia em Portugal tinha-lhe dado menos de um ano de vida. Mas ela não acreditava. Convencida de que o fim estava "muito mais próximo", pedia a ajuda da Dignitas, "com urgência". "Temo perder a capacidade de viver sem a ajuda de alguém e especialmente de conseguir ir à Suíça ", explicava. O processo foi rápido. Inscrita na associação em Abril de 2009, morreu em Junho, após duas consultas. A associação suíça dá escassos detalhes sobre o caso. Adianta apenas que era uma mulher com cancro, sem família, e que foi acompanhada nos últimos momentos por dois amigos. Há pelo menos mais sete portugueses inscritos na Dignitas.

Fundada em 1998 pelo advogado Ludwig Minelli em Zurique, a Dignitas já ajudou a morrer 1041 pessoas de 29 países e tem cerca de seis mil membros. São cidadãos alemães e ingleses os que mais recorrem à associação, que tem sido alvo de contestação mesmo na Suíça, onde o suicídio assistido é permitido, apesar de a eutanásia ser proibida. No primeiro caso, é o próprio que toma a droga mortal receitada por um médico, enquanto a eutanásia implica que seja outra pessoa a administrar a substância fatal. Na Dignitas, quando a pessoa decide avançar com a decisão de morrer - todo o processo custa cerca de seis mil euros -, toma primeiro uma substância para não vomitar e depois bebe pentobarbital de sódio. Fica inconsciente e morre, sem dor.

Em Portugal, a morte assistida é proibida e não é sequer ainda possível fazer um testamento vital (declaração antecipada de vontade sobre os tratamentos a recusar, caso a pessoa já não esteja em condições de expressar a sua vontade). Aliás, a morte assistida continua a ser proibida na maior parte dos países, mas em vários, como no Reino Unido, o debate está aberto, lembra Laura Ferreira dos Santos, docente na Universidade do Minho que escreveu um livro sobre o tema (Ajudas-me a Morrer).

"Escamotear este problema não é a solução", defende. E acrescenta: "Se o suicídio assistido ou a eutanásia fossem permitidos em Portugal, esta mulher poderia ter vivido mais tempo." Porque não necessitaria de acelerar o processo por temer ficar incapaz de ir à Suíça.

O presidente da Associação Portuguesa de Bioética, o médico Rui Nunes, que em 2007 avançou com a proposta do testamento vital, não concorda. Sem querer criticar este caso em concreto, defende que seria necessário esclarecer primeiro uma série de circunstâncias para poder ajuizar da legitimidade do pedido. Era preciso saber se a mulher estava "em condições de tomar a decisão em consciência". "Se calhar estava deprimida, foi um grito de desespero", especula. E seria fulcral apurar também se tinha acesso a cuidados paliativos adequados. "A generalidade das pessoas [tratadas] em cuidados paliativos não pede a eutanásia."

5 comentários:

Blondewithaphd disse...

O mais "humano" nisto tudo é que eu marco consulta para que o veterinário ponha fim à vida da minha gata que tem cancro da mama e a minha mãe morreu do mesmo até ao fim do morrer... Irónico, no mínimo.

Anónimo disse...

Não eram amigos que acompanharam a senhora mas sim familiares.
Acho estranho como conseguiram esta informação pois ela já faleceu há vários meses. Será que estão autorizados a falar sb o caso dela ???
A senhora tinha caixa social que lhe garantiam direitos a todo tipo de assistência médica.

FENAM disse...

Em uma reportagem especial, a equipe do Repórter FENAM faz um alerta sobre os cuidados que a população e o Governo devem ter para se prevenir e se preparar para uma segunda onda da Gripe A.

Assista: http://web.fenam2.org.br/tv/showData/388496

Anónimo disse...

O que não irão dizer os hipócritas dos padres.

SDF disse...

Rui Nunes - ou o conservador escondido debaixo da pele do liberal!
Em 2006, quando o Rui Nunes apresentou no evento anual da APB, o texto que queria propor à Assembleia da República como diploma regulador do testamento vital, alertei, da plateia, para um conflito entre dois artigos, que inviabilizava por completo o espírito de um testamento vital. Concretamente, o artigo que dizia que só pode fazer um testamento vital quem estiver em plena posse das suas capacidades cognitivas (correcto!) e o artigo que dizia que o testamento vital tinha validade de 3 anos e depois caducava e teria de se fazer outro (disparate!!!). Ora se o espírito que subjaz a um testamento vital é um ser humano poder decidir, enquanto está na posse das suas capacidades, o que quer que lhe façam (ou não façam) quando já as perdeu ou não se pode expressar, colocar um prazo de caducidade num testamento vital é inviabilizá-lo na maior parte das circunstâncias de utilização que não decorram de situações agudas em pessoas jovens e saudáveis e que ocorram a curto prazo face à elabraçºao do testamento vital. E como em saúde o actual rácio de situações agudas e crónicas é para aí de 10% (agudas) para 90% (crónicas), e que cada vez mais existe perda gradual de capacidade cognitiva associada às situações de doença crónica e envelhecimento (alzheimer, parkinson, demências várias decorrentes de problemas cárdio-vasculares, etc.), com a proposta da APB ficaríamos com um testamento vital praticamente inútil. Os oradores - com honrosa excepção da Isabel Neto, diga-se! - fizeram-se desentendidos face ao meu alerta. Felizmente, a plateia entendeu e foram vários os presentes que vieram trocar umas palavras comigo no fim do evento, em expressão de concordância com o alerta verbalizado. Enviei na semana seguinte a quem de direito na APB, a formalização deste alerta de forma fundamentada e com um proposta de alteração ao diploma para eliminar este conflito. Desconheço se a levaram em linha de conta quando submeterem o diploma à Assembleia da República ou não, pois nunca me deram feedback. Mas tenho curiosidade! ;)