quarta-feira, fevereiro 01, 2006

"O doente perdeu a confiança no médico"

No jornal Tempo Medicina:

Carneiro Chaves sugere contrato para reabilitar imagem da profissão
A necessidade de elaborar um contrato entre os médicos e a sociedade para que esta recupere a confiança nos clínicos e a redefinição do modelo que rege a prática médica foram dois conceitos-chave da conferência com que Carneiro Chaves assinalou a sua jubilação.
«O doente perdeu a confiança no médico», disse Francisco Carneiro Chaves, defendendo a realização de um «contrato entre o médico e a sociedade» em que a «a sociedade reconheça o que é a Medicina, o que os médicos fazem no seu dia-a-dia e aceitem a existência de uma margem de erro nas suas decisões».
O gastrenterologista falava aos jornalistas no final da conferência «Medicina clínica e profissionalismo», tema escolhido para assinalar a sua jubilação, numa cerimónia que decorreu no passado dia 27 de Janeiro, na Aula Magna da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto (FMUP).
Um dia antes de completar os 70 anos, Carneiro Chaves deixou em aberto o lugar de director do Departamento de Medicina do Hospital de S. João, que ocupava a par da actividade como professor catedrático da FMUP.
«Antigamente a confiança no médico era ilimitada», lembrou, acrescentando também não ser isso o que se pretende. O que se quer, vincou, é que, sendo muito mais informados e interventivos que antigamente, os doentes e a sociedade em geral têm que ser capazes de entender a Medicina não como uma questão estritamente técnica, mas como uma arte. «As expectativas criadas por uma cultura de divulgação científica e a tentativa apressada, feita sem senso, de passar achados científicos para a prática clínica justificam, pelo menos em parte, uma exigência da opinião pública que muitas vezes está para além do que é razoável», disse.
Ao mesmo tempo, lembrou, as organizações que dominam os vários sistemas de saúde «exercem pressões, levadas por vezes ao excesso, e por isso indesejáveis, em áreas que não são da sua competência, como quanto ao número de doentes a observar num dado período de tempo, ao mesmo tempo que incentivam ou impõem restrições ao recurso a outras especialidades, ao pedido de meios auxiliares de diagnóstico ou à prescrição de fármacos».
A divulgação, por parte da comunicação social, de erros ou insucessos da profissão sem o respectivo «destaque dos aspectos positivos» conduz também, nas palavras do especialista, ao «aparecimento frequente de litígios e de queixas de má prática que criam no médico insegurança e são determinantes na prática da chamada medicina defensiva».

Profissionalismo

Limitação importante à intervenção clínica é a escassez de recursos, «sejam técnicos ou económicos», disse, frisando que, não sendo a solução destes casos da responsabilidade dos médicos, cabe-lhes a eles «enfrentá-los e apelar para a sua solução. Também a burocracia, as guidelines e «as condições impostas pelas organizações ao exercício da profissão como a sobrecarga de trabalho, os horários excessivos e o pagamento inadequado» são factores a ter em conta, e a explicar aos doentes, quando se trata de limitações à prática da medicina clínica e que «ameaçam por todo o lado os valores do profissionalismo».
E o profissionalismo, conceito que, lembrou, congrega múltiplas características da profissão, como sejam «os deveres para com o doente como o respeito e a integridade; a resposta às necessidades do doente e da sociedade para além dos interesses do médico; a responsabilidade perante o doente, a sociedade e a profissão; o compromisso para a excelência e o desenvolvimento profissional contínuo; a capacidade de dar uma resposta que tenha em conta a cultura e os valores de cada doente», deve ser um desígnio a perseguir pelos médicos. E, assim entendido, o profissionalismo «pressupõe para além de uma adesão estrita aos princípios éticos da profissão, a capacidade do médico criar uma verdadeira inteligência emocional que lhe permita conhecer as suas próprias emoções assim como as emoções dos outros e geri-las».
Carneiro Chaves propõe, então, um novo modelo para a prática da Medicina, diverso do que considera a actividade limitada exclusivamente à aplicação dos conhecimentos científicos na solução dos problemas de saúde. Os médicos devem também ser educados, disse, para servirem como «agentes de mudança, que lhes permita intervir ajudando os doentes a ajustarem-se à mudança que representa a doença, o sofrimento e a morte que continuam a ser inerentes à condição humana».
Na sua intervenção, o professor defendera ainda a necessidade de o papel de interlocutor entre o doente e as várias especialidades que muitas vezes se agrupam para o tratar caber a um médico com formação generalista, como é o caso dos especialista em Medicina Interna, na prática hospitalar, e os médicos de família, no ambulatório, «sem que se pretenda defender, em todas as circunstâncias, a liderança das equipas médicas por estes especialistas», frisou.

Paula Mourão Gonçalves

1 comentário:

Anónimo disse...

De facto... fico perplexo. Não tenho tido o tempo que desejaria para estar aqui a escrever, por isso, ficarei só pelo... "fico perplexo"... Quando tiver tempo, paciência e vontade, explico. O Sr. Alfredo Vieira (que se referiu a mim noutro post, que nem tive paciência para o comentar) está cada vez mais... incisivo, digamos. Cada vez mais acho que Einstein tinha razão. Existem mesmo mundos e dimensões paralelas... não devemos estar todos na mesma.