sexta-feira, julho 30, 2004

A Preparação Para A Morte

"Caro "Médico explica",

Parabéns pelo seu blogue. [Obrigado.] Com ele, abre uma brecha no muro feito de tantos silêncios e ruídos de relação e comunicação que, na maioria dos casos, separa os médicos dos seus pacientes. [E cada vez mais se instala esse muro. O médico cada vez mais usa uma prática defensista e a comunicação vai-se perdendo no meio de tantas TACs, ressonâncias magnéticas e prozaques, xanaxes e valiuns, e repare: o doente até agradece mais um taquesinho a uma qualquer parte do corpo!]


Compreendo que o tenha dirigido sobretudo aos jornalistas, mediadores dessa relação e, em muitos casos, geradores de ainda mais ruído. [Concordo, afinal não sou o único a pensar assim!]

Mas continuo a achar que há muito para fazer e para pensar quanto à comunicação directa dos médicos e das várias instâncias e instituições a que estão ligados ou os representam e os utentes-pacientes. [Eu penso assim: quanto mais instituição, menos comunicação. Mas haverá alternativa? O serviço público infelizmente será sempre assim, enquanto o ordenado do médico ou de outros funcionários públicos não estiver ligado à produção, ou a outros meios de avaliação, a regra será sempre a mesma, assim como o ordenado. Falte muito, falte pouco, consulte muito ou consulte pouco, opere muito ou opere pouco, seja muito simpático ou a antipatia pura, o ordenado será sempre igual para todos, portanto, quanto menos, melhor. E isto aplica-se a todas as profissões, desde o calceteiro da câmara municipal até ao juíz do Supremo.]

.../...

- De que forma um doente oncológico seguido num hospital público é acompanhado depois de se terem esgotado todas as hipóteses de intervenção cirúrgica e de se ter entrado já no último ciclo de quimioterapia paliativa? Que papel têm os médicos oncologistas a partir desse momento? É a unidade da dor (existente no hospital em questão) que passa a acompanhar o doente com maior proximidade? E quando se agrava o quadro clínico, o doente é internado? É nesse momento que o definem como doente terminal? O que pode ele esperar de acompanhamento por parte do hospital enquanto doente terminal?
Sei que as minhas dúvidas provêem da enorme dificuldade de os médicos e os pacientes envolvidos em situações como esta enfrentarem e partilharem a aproximação da morte. Em todos os momentos do já longo, e complexo, historial clínico do familiar a que me refiro, os passos seguintes foram sempre bem explicados, pormenorizadamente em alguns casos. Até que, chegados à fase dos cuidados paliativos, o silêncio se instalou de repente. Enquanto familiar, não quero contactar os médicos fora da presença do doente para lhes colocar estas questões, agora absolutamente prementes para definirmos juntos os passos seguintes. Considero moralmente abusivo fazê-lo. Mas, em cada consulta, assisto ao mesmo silêncio e à mesma indefinição. E vejo o tempo a passar, tempo precioso para que o doente se prepare, como melhor entender - mesmo que, já esclarecido, preparar-se, para ele, seja não se preparar! - e na posse de todos os dados, para o que se segue. Peço-lhe o seu esclarecimento e o seu conselho. Agradeço-lhos antecipadamente. E envio-lhe um abraço. [Obrigado pelo abraço.]"


A todas as suas importantes questões posso responder-lhe assim: infelizmente o trabalho do IPOs termina no diagnóstico e no tratamento "curativo".
Quando se passa para os cuidados paliativos os IPOs demitem-se. Poderia também dar-lhe exemplos concretos da minha clínica de doentes que são "abandonados" na fase a que se refere.

Mas eu também me interrogo: provavelmente é assim que deve ser. Os IPOs existem para diagnosticar e tratar dentro da medida do possível. Enquanto "perdem tempo com a paliação" podem atrasar-se diagnósticos dos quais podem resultar remissões completas com terapêutica atempada.

Outra questão, para a qual não há uma resposta: devemos ou não devemos (nós médicos) comunicar ao doente que tem um "cancro" e que tem "x meses de vida".

À família não se deve esconder nada. Ao doente, pode-se comunicar a gravidade da doença e a pouca esperança de vida, de várias formas e de acordo com a vontade deste e a sua personalidade. E há sempre quem pretenda não saber e viver na esperança de que se trata de uma doença autolimitada.


Em conclusão:

  • Em Portugal não há cuidados paliativos oficiais e organizados, embora haja muitos médicos (especialmente médicos de família) com especialização nessa área, apesar do pouco que vão fazendo os IPOs.
  • Comunicar ou não comunicar ao doente que tem um cancro e vai morrer dentro de 6 meses, eis o grande problema a ser gerido caso a caso.

1 comentário:

Anónimo disse...

Nem só de doentes oncológicos se poderá falar, quando falamos em cuidados paliativos. Há cada vez mais, "franjas" da população que necessitam desses cuidados. A título de exemplo, observamos determinados grupos de pessoas idosas, grupos de pessoas com outras doenças como o SIDA, etc.
Contudo concordo com a ideia de que os cuidados paliativos necessitam de uma maior participação e organização.