Título e artigo do jornal "Tempo Medicina".
Quando as notícias são más, ainda podem piorar se a forma como são anunciadas não for a melhor. A pensar na relação entre médico e doente, Walter Baile, especialista mundial no treino de aptidões de comunicação em Oncologia, esteve em Lisboa para dar a conhecer o que pode fazer toda a diferença. No âmbito do projecto «Organização e desenvolvimento de um programa de cuidados paliativos no Hospital de S. José», e para alargar a formação nesta área, realizou-se no passado dia 23 a conferência/workshop sobre «A importância das aptidões de comunicação em Oncologia – Apresentação do protocolo de más notícias», em que foi orador Walter Baile, do MD Anderson Cancer Center da Universidade do Texas (EUA). A ideia partiu de Luzia Travado, psico-oncologista no Hospital de S. José e coordenadora da Unidade de Psicologia Clínica do Centro Hospitalar de Lisboa, que considera o tema da máxima importância. Isto porque, na sua opinião, a qualidade da comunicação entre o profissional de saúde e o doente é um factor crítico para a adaptação deste à sua doença, adesão aos tratamentos e satisfação.
Como referiu, «as aptidões de comunicação podem ser treinadas e melhoradas, bem como as “más notícias” – diagnóstico, prognóstico, recidiva, etc. – podem ser comunicadas de modo sensível e adequado às necessidades de cada doente e suas famílias, diminuindo o stress desta difícil tarefa». Desta forma, acrescentou, «a moderna Oncologia clínica e os cuidados paliativos não dispensam o conhecimento destas técnicas e o seu treino, que constituem uma importante ferramenta para os médicos».
Walter Baile mostrou um pequeno vídeo com um diálogo doente/médico, que considerou um exemplo claro de má comunicação. O médico não olhava directamente para a sua interlocutora, sendo notório que não lhe estava a prestar grande atenção, escrevia enquanto esta falava e interrompeu-a várias vezes. «Se um doente quando vai ter connosco já está nervoso à partida, uma atitude destas só piora», salientou o especialista.
E porque é importante, para os cuidados clínicos, ter boas competências na forma de comunicar? Segundo Walter Baile, estas fazem com que o doente esteja mais satisfeito, reduz-se a má prática, promovem-se objectivos clínicos cruciais e uma excelente relação com o médico. E «mesmo que este não o cure, o doente vê nele competência», sendo que «um bom diálogo faz com que o doente seja um parceiro nas opções de tratamento, o que é sempre benéfico para ambas as partes», lembrou o orador, sublinhando: «Hoje em dia cada vez mais as pessoas querem fazer parte do seu tratamento, gostam de saber as escolhas que existem e de ter um papel activo nas mesmas».
Mas se existe um protocolo de más notícias, há que conhecer os passos a dar.
Walter Baile definiu o protocolo SPIKES (Setting up the interview, Perception, Invitation, Knowledge, Emotions, Strategy), em que o primeiro passo é o da preparação para a entrevista com o doente, devendo o médico fazer antecipadamente com que não haja interrupções e, por estranho que possa parecer, levar sempre lenços de papel.
De seguida, vem a percepção, e aí há que tentar perceber quais as informações que o doente possa ter sobre a doença, para que, eventualmente, caso não sejam correctas, poder corrigi-las. O próximo passo é saber se o doente quer ter informação, pois há indivíduos que não desejam ser informados. E caso o doente não queira falar da patologia, o médico pode sempre perguntar-lhe se não quer saber quais os planos de tratamento e, portanto, ajudar de outra forma.
O quarto passo é passar a informação e o conhecimento, e uma boa maneira de dar a má notícia é dizer, de forma calma, «infelizmente tenho más notícias» ou «o que se passa é sério, tenho muita pena de lho dizer». É essencial dar a conhecer os factos aos poucos e usar sempre uma linguagem ao nível do doente, nunca utilizar termos técnicos, «porque muitas vezes as pessoas têm vergonha de dizer que não estão a perceber» e há que explicar tudo da melhor forma para que o esclarecimento seja total.
No quinto passo, o das emoções com respostas empáticas, o médico tem que ter um papel reconfortante, «porque corresponder às emoções de um doente nestas circunstâncias é, sem dúvida, um dos maiores desafios, pois perante a má noticia a pessoa entra em choque, dor e solidão».
Ao informar da doença por etapas, devem aproveitar-se metáforas que o doente use para a patologia e dar explicações por esquemas ou gráficos no papel. Aqui há que mostrar apoio e solidariedade e dar respostas empáticas, mas dizer sempre a verdade.
Durante a conversa, o médico deve fazer pausas, escutar com atenção e mostrar proximidade. Por fim, vem a estratégia em que se visa fazer o plano para o futuro, sendo crucial que se discutam todas as opções de tratamento, o que dá sempre ao doente a sensação de que os seus desejos são ouvidos.
Baseado nesta informação Joaquim Reis, doutorado em Psicologia e professor de Psicologia da Saúde, desenvolveu, com a colaboração técnica de Luzia Travado, um DVD para os especialistas portugueses, designado «Aptidões de comunicação e de relação para profissionais de saúde».