E Depois Pensem: Este Juiz Foi Negligente?
In "Público", por Francisco Teixeira da Mota.
Direito de retrocesso.
"O João era um médico de clínica geral que exercia a sua profissão na Região Autónoma dos Açores desde 1982 tendo sido nomeado presidente do conselho de administração do centro de saúde local, em 1998.
A sua vida decorria com toda normalidade, quando, no início de 1998, foi apresentada uma queixa-crime contra si, por alegadamente ter ofendido a saúde e causado a morte de um seu doente.
Ouvido pelo Ministério Público, negou a sua responsabilidade no ocorrido, tendo prestado ojá famoso, TIR (termo de identidade e residência) e continuou a sua vida mas... Em 2 de Junho de 1999, o juiz de instrução considerou que "havia indícios da prática, pelo menos, de um homicídio negligente, praticado com violação grosseira das legis artis, e de um crime de ofensas à integridade física por negligência", e embora "considerasse que a matéria revestia grande complexidade científica", o juiz de instrução impôs ao dr. João. as seguintes medidas de coacção:
- "prestação de caução de 2.000.000$00 e
- suspensão imediata do exercício da sua profissão de médico,
- tanto a nível da função pública
- como em exercício da actividade laboral,
- com proibição expressa de prática de qualquer acto médico
- ou de outros de que deste tipo de acto dependam em qualquer lugar, designadamente, estabelecimento público ou particular de saúde".
Considerava o juiz de instrução ser "manifesto o perigo de continuação da actividade criminosa e perturbação do inquérito e, ainda, que havia o perigo de fuga".
O João recorreu e, ao mesmo tempo, requereu ao juiz que alterasse as medidas de coacção que lhe tinham impostas. Mas o juiz manteve as medidas de coacção decretadas.
Entretanto o Ministério Público, no dia 25 de Junho de 1999, determinou o arquivamento do processo, por considerar inexistirem indícios da prática de qualquer crime pelo João, mas os familiares do paciente falecido requereram a continuação do processo pelo que o mesmo não foi arquivado.
Só em 9 de Dezembro de 1999, veio o Tribunal de Relação de Lisboa revogar as medidas de coacção a que estava sujeito o João, substituindo-as, novamente, pelo mencionado TIR.
O Tribunal da Relação esclareceu que "a natureza dos factos a investigar era de grande complexidade não se compadecendo com confirmações apenas com base em testemunhas, exigindo sim pareceres técnicos prestados por entidades científicas com competência para tanto", sendo certo que o juiz de instrução "nada esclarecera sobre a personalidade do João nem sobre o risco de perturbação do andamento do inquérito" e, quanto ao perigo de o João continuar a praticar crimes, o Tribunal da Relação lembrou o facto de o João exercer clínica na região "desde 3 de Fevereiro de 1982 sem que nunca tivesse sido posta em causa a sua competência profissional".
O processo foi posteriormente arquivado e o João nunca chegou a ser julgado.
Veio, então, o João pedir uma indemnização ao Estado pelos prejuízos que lhe tinham sido causados pelas medidas de coacção que lhe tinham sido impostas pelo juiz de instrução, inadequadas e desproporcionadas, nomeadamente a proibição de exercício da sua profissão.
Na 1.ª instância, o João conseguiu que lhe fosse atribuída uma indemnização de 65.911,86 euros pelos danos patrimoniais e de 20.000,00 euros pelos danos não patrimoniais ou morais.
O Estado recorreu e o Tribunal da Relação revogou a decisão, absolvendo o Estado.
Mas o Supremo Tribunal de Justiça, na sua decisão do passado dia 7 de Março, subscrita pelos juízes conselheiros Fernandes Magalhães, Azevedo Ramos e Silva Salazar, revogou a decisão do Tribunal da Relação e confirmou a decisão da 1.ª instância.
O Estado procurou assim, como é seu dever, reparar o mal que fizera a um seu cidadão...
A história do João, com um "fim feliz", não é uma história muito habitual, já que a responsabilização do Estado pelos seus "desmandos", nomeadamente no âmbito da actividade judicial, não tem muitos casos de sucesso para as vítimas.
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2 comentários:
Algum dinheiro compensará o tempo que um homem fica privado de exercer a sua profissão?
As complicações e evoluções desfavoráveis levando à morte dos doentes fazem parte do exercício médico, da iatrogenia e da evolução natural das doenças, mesmo sem o médico ter culpa ou sem ser capaz de antecipar esses danos. Mas medidas de coacção e incómodos aos cidadãos por parte do tribunal tb fazem parte da justiça. O médico foi indemnmizado pelos transtornos do sistema... e quem pagou ao doente pelos danos que lhe foram causados provavelmente pelo sistema qe culminaram na sua morte?
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