Onde É Que Eu Estava no 25 de Abril? Com o Rouvière.
Estudava Anatomia, num quarto alugado em Lisboa, na rua onde se localiza o Colégio Moderno e reside o dr Mário Soares. Estava no 2º ano da faculdade e preparava o exame de Anatomia Descritiva ainda do primeiro. Horas e horas debruçado sobre o grande tratado em quatro volumes: Anatomie Humaine, de Rouvière, analisando minuciosamente as suas gravuras com os ossos e todas as suas características (não havia dinheiro para comprar esqueletos ou atlas mais pormenorizados) e decorando as suas legendas e textos em francês.
Depois de horas e horas de estudo, já noite, relaxei-me a ouvir o programa Limite enquanto lia o livro O Julgamento dos Padres de Macuti que tinha comprado dias antes na Associação de Estudantes da Faculdade de Medicina de Lisboa (era um livro proibido). Ouvi as senhas e ouvi a primeira mensagem. Aqui posto de comando das Forças Armadas, ensonado, voltei a adormecer. Acordei novamente, já o movimento se desenrolava, os Padres do Macuti no chão, o Rouvière continuava à minha espera, ouço novamente as notícias: o fascismo caía. Na rádio continuava a ouvir-se o Posto de Comando e a pedia-se à população para permanecer em casa.
Neste dia, 25 de Abril, tomei talvez a única decisão de que me arrependo em toda a minha vida: obedeci àquela voz da rádio e fiquei em casa.
Não estudei Anatomia, não li os padres de Macuti, não festejei o primeiro 25 de Abril como depois vi festejar pela TV, não mandei SMS, nem e-mails a ninguém, não telefonei aos amigos (não havia telemóveis e o telefone da casa, fechado a cadeado, só recebia chamadas), restou-me então, seguir a Revolução pela televisão, a anos-luz da CNN.
Como tudo seria diferente se se repetisse o 25 de Abril hoje…
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