terça-feira, julho 22, 2003

Entregar-se à Doença

Com este título publicou o jornal Público, Sábado, dia 21 de Junho de 2003, um artigo assinado por Helena Matos. Excelente! Não sei qual a sua formação, mas se é jornalista, os meus parabéns.

Alguns excertos:

“"Pare de sofrer" – ordenavam as letras vermelhas do cartaz.”
"Desejo de suicídio. Dores de cabeça constantes. Medo. Ataques epilépticos. Desmaios constantes. Esses problemas não existirão mais na sua vida!" Note-se que não eram apenas estes problemas que os autores do cartaz se propunham exterminar. Também se afiançavam capazes de erradicar a: "Audição de vozes. Visão de vultos. Maldição hereditária. Caminhos fechados. Problema sentimentais."”

” …/… todos estes males desaparecerão a quem comparecer até amanhã, 22 de Junho, no antigo cinema Império, em Lisboa. Mas não é apenas na Alameda D. Afonso Henriques que alguém se propõe curar-nos dos males do corpo e da alma. Para hoje mesmo, na Rua Castilho, anuncia-se uma "Conferência fractal" com o dr. Haddad M.”

”Não deixa de ser curiosa esta espécie de fixação na doença que se encontra em muitas das mensagens deste tipo. Épocas houve em que se atraíam fiéis falando-lhes dos enigmas da Atlântida e da mensagem bíblica. Mas aos portugueses deste século XXI não há nada como falar-lhes de doenças. Outrora explorámos os oceanos. Agora desbravamos o "simposium" das doenças.”

“Nós queremos é estar aqui, debaixo deste sol, com as nossas análises, as nossas TAC e muitas consultas no especialista. A esta estranha forma de vida dá o povo português a designação de "entregar-se à doença".”

”Qualquer repórter português antes de partir para fazer a cobertura dum conflito já sabe que tem de nos brindar com a inevitável reportagem feita numa enfermaria hospitalar: muita gente deitada, de preferência coberta de ligaduras, acompanhada por umas mulheres de olhar desalentado e já está criado o "décor" ideal para uma reportagem de fazer chorar as pedras da calçada e subir as audiências.”

” …/… uma primeira página com a descoberta duma nova doença. Da mais moderna de todas, que é a fibromialgia, sem esquecer o cancro da próstata, a diabetes, a obesidade, a epilepsia, a artrite... e todas aquelas síndromas estranhíssimas que só afectam meia dúzia de pessoas em todo o mundo... “

“Quando não se sofre oficialmente de nada, vive-se no terror de se poder sofrer sem saber, porque todos os portugueses, num qualquer dia, já experimentaram os sintomas de todas as doenças conhecidas e por conhecer. Aos males físicos há ainda que juntar os psíquicos. Estes proliferam por ciclos: ora é o "stress", ora a depressão, ora a depressão gerada pelo "stress", ora a solidão a que se junta o "stress" e a depressão...”

”Note-se que os portugueses não esperam ficar curados. Longe disso. O que eles querem é manter-se "menos mal", irem "passando melhorzinho". Agora curados e saudáveis é que não. Aliás, não há nada que irrite mais estes portugueses do que dizer-lhes que são ou podem vir a ser saudáveis!”

”Tenho aliás a convicção de que, se os partidos se deixassem de abstracções ideológicas e propusessem coisas concretas como uma TAC anual obrigatória e gratuita para todos os portugueses, a abstenção diminuiria muitíssimo.”


Para ler e pensar.

Qual o papel da comunicação social no crescendo desta situação! Os nossos tele-jornais transformaram-se em várias TVs Medicina.

Perde-se meia-hora a falar de uma doença de que se conhece um caso em Portugal, e nessa meia-hora a hipertensão, o colesterol elevado, o abuso do tabaco, o sedentarismo levaram muitos deste mundo para o outro!
Doenças evitáveis.
Há quanto tempo não mede a sua pressão arterial, há quanto tempo não faz um análise ao colesterol.
Sabia que neste momento, sentado ao computador, pode estar com uma pressão arterial alta, p.ex. 200/120 mmHg e um colesterol total de 350 mg/dl, dois importantes factores de risco para as doenças cardiovasculares e sentir-se bem, felicíssimo da vida? Mas, amanhã pode ter um enfarte ...

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