sábado, janeiro 10, 2004

A Distância Entre Medicina, Justiça e Jornalismo vs Opinião Pública É A Substância Desta Notícia

Notícia do Portugal Diário de 09/01/04:

"«Violação por pessoa famosa melhora auto-estima»

Opinão é do psiquiatra Pio Abreu que gerou indignação na assistência de uma conferência

O psiquiatra Pio Abreu disse hoje numa conferência internacional sobre abusos sexuais que "a auto-estima de uma pessoa melhora se for violada por uma pessoa famosa", uma afirmação que gerou indignação entre a assistência.

A conferência sobre abusos sexuais, que decorreu na Universidade Lusíada, em Lisboa, suscitou polémica entre o público assistente, que questionou algumas vezes a defesa feita aos eventuais agressores e a acusação às alegadas vítimas.

Uma das intervenções polémicas foi a de Pio Abreu que, questionado por um dos presentes na assistência quanto ao significado da sua afirmação, respondeu que quando há más recordações as pessoas lembram-se do que lhes melhora a auto-estima e "as ligações a pessoas famosas são uma forma de reforçar a auto-estima".

O psiquiatra criticou seguidamente a indignação das pessoas perante estas situações e, embora concordando que todos anseiem por justiça, salientou que é necessário haver distanciamento.

Pio Abreu frisou que o papel do clínico é o de ajudar o doente a suportar o seu problema, melhorando a auto-estima, enquanto o papel do juiz é o de fazer cumprir as leis.

"Fazer justiça com sentimentos leva ao linchamento e à justiça popular e parece-me que é o que está a acontecer", disse.

A afirmação "as crianças não mentem" foi alvo de alguma discussão com o psiquiatra Adriano Vaz Serra, para quem as crianças são sugestionáveis e podem mentir, mas que não o farão se falarem por elas no contexto clínico, sem serem questionadas, sem que nada lhes seja procurado ou suscitado.

A propósito, a pedopsiquiatra Ana Vasconcelos salientou a importância das crianças não mentirem em tribunal para que não se cometam injustiças.

"Podem mentir em todo o lado, não podem é mentir em tribunal porque senão não fazemos justiça com justeza", disse, acrescentando que "não se pode falar rapidamente, tem de ser com ponderação".

Uma juíza presente na assistência interveio para contar um caso de abuso sexual de uma criança que acompanhou e criticou o facto de, na conferência, "não se pôr a tónica nas mentiras dos agressores".

"Temos de falar nas mentiras dos agressores, onde não temos posto a tónica, porque os agressores têm mais razões para mentir e mentem mais", disse.

No final da mesa redonda, dedicada ao tema "abuso sexual, dimensão do problema", uma interveniente do público considerou haver alguma confusão e acabou por questionar quem é, afinal, o abusador e quem é a vitima quando há envolvimento sexual entre um adulto e uma criança.

Entre a assistência encontrava-se a mulher do apresentador de televisão Carlos Cruz, arguido no caso Casa Pia, que questionada pela Lusa se tinha sido convidada para o encontro apenas disse: "estou aqui de livre vontade"
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