"1. No dia 16.12.03 o Conselho Disciplinar Regional do Sul da Ordem dos Médicos proferiu despacho de acusação contra o médico Dr. F, nele se dizendo o seguinte – e passamos a transcrever:
2. No dia 18.01.01 a participante, Senhora D. M., levou a sua filha C. à consulta de pediatria, do Centro de Saúde S.
3. A criança tinha ido previamente à consulta de clínica geral, tendo sido encaminhada para a consulta de pediatria por "aparente sinéquia dos pequenos lábios".
4. Na consulta de pediatria foi atendida pelo arguido que considerou tal sinéquia como indiciando negligência nos cuidados de higiene e falta de atenção da mãe, opinião essa que, em tom ríspido, ele comunicou à participante.
5. Tal opinião, nas circunstâncias em que foi emitida, era claramente abusiva, visto o arguido estar a condenar sumariamente a participante, sem atender a outras causas possíveis (...).
6. Para além disso o arguido optou pelo desbridamento físico da sinéquia da criança, provocando-lhe bastante dor e desconforto, quando é certo que o tratamento mais adequado e menos doloroso para a criança teria consistido na aplicação de creme com estrogénios durante uma semana (...).
7. Acresce que o arguido, talvez por se ter incompatibilizado com a participante logo no início da consulta, não perdeu grande tempo a explicar à queixosa o que se propunha fazer, não tendo, por conseguinte, obtido o seu consentimento informado.
8. Com base nos factos acabados de expor, o Colégio da Especialidade de Pediatria, no seu parecer de 17.08.01, considerou o seguinte – e passamos a transcrever:
a) «As aderências dos pequenos lábios são frequentes em crianças com menos de 6 anos e resultam de inflamação local associada ao estado hipo-estrogénico da pré-puberdade. A situação resolve-se geralmente de forma espontânea com a acidificação do pH vaginal, na puberdade. O tratamento de escolha consiste na aplicação de creme com estrogénios durante 1 semana. A separação mecânica das aderências só está recomendada se esta parecer fácil e não causar trauma significativo».
b) Não há informação clara sobre a necessidade de optar pelo desbridamento físico da sinéquia, e parece ter havido algum desconforto para a criança e para a mãe.
c) Não parece ter sido explicado à mãe a natureza do problema antes do tratamento realizado, nem colocadas as alternativas terapêuticas ou solicitado o seu consentimento explícito, ainda que verbal, para o tratamento.
d) Foi feito o diagnóstico, aparentemente sumário, de negligência de cuidados de higiene, numa situação em que havia outras causas possíveis (défice relativo de estrogénios, por exemplo).
e) Pelos motivos expostos considera-se que o Dr. F. praticou um acto terapêutico tecnicamente aceitável, embora não tenha considerado, outras opções porventura menos desconfortáveis para a criança não explicou previamente à mãe o procedimento nem obteve o seu consentimento informado, e formulou um juízo etiológico não fundamentado. Assim, parece algo questionável o comportamento do clínico no contexto descrito.
(vide parecer do Colégio de Pediatria folhas 4 a 6 dos presentes autos).
9. Atendendo ao exposto, violou o arguido os artigos do Código Deontológico que passamos a enumerar:
a) Artigo 26 do Código Deontológico, porque não prestou à doente os melhores cuidados ao seu alcance;
b) Artigo 27 do Código Deontológico, porque no exame clínico da criança não tomou em consideração a sua idade e sexo;
c) Artigo 43 do Código Deontológico, porque deveria ter usado de particular solicitude com a criança (…)
d) Artigo 38 do Código Deontológico, porque não esclareceu convenientemente a mãe da criança, acerca do problema da criança e do tratamento que pretendia realizar, não tendo posto à consideração da participante as alternativas terapêuticas existentes, nem solicitado o seu consentimento explícito.
(estivemos a transcrever trechos do despacho de acusação)
10. Apesar de regularmente notificado da acusação, através de carta registada com aviso de recepção, o arguido não apresentou qualquer defesa, sendo de presumir que nada tinha a acrescentar aos esclarecimentos já por si prestados.
11. Assim sendo, não apresentou o arguido qualquer facto ou argumento novo que fizesse a relatora do presente processo mudar a sua opinião já expressa no despacho de acusação.
12. Atendendo ao exposto, propomos ao Conselho Disciplinar Regional do Sul a condenação do Dr. F. na pena de censura, nos termos do artigo 16 do Estatuto Disciplinar dos Médicos.
Lisboa, 10 de Fevereiro de 2004"
Processo Disciplinar n.º 12102 RELATÓRIO FINAL, in Revista ORDEM DOS MÉDICOS, Março 2004.