quinta-feira, outubro 14, 2004

Subúrbios da Vida Humana

Tem 13 anos.
Subúrbios da capital.
Trazida pela polícia.
Crise grave de agitação psíquica.

Na mão um molho de fotos desbotadas com uma legenda viva:

"são para que saibam que tenho família! São para que o meu pai (Este aqui! Aponta.) saber que eu gosto dele".

Repete com insistência: o meu avô morreu bêbado. A minha mãe mandou-me ir procurá-lo. Encontrei-o bêbado na tasca. Riu-se para mim. Estava bêbado. Fui para casa a chorar. Morreu à porta de casa. Vi o sangue na porta. Caiu e fez um buraco na cabeça.

Quando foi isso? Foi antes do meu pai se separar. Tinha 9 anos. A minha mãe pensa que eu não a via a receber os homens em casa. Mas eu via. Sempre vi. Gosto muito do meu pai e sei que ele gosta muito da minha mãe. A minha mãe fugiu para se juntar com outro homem. Quando vou lá a casa continuo a ver a minha mãe a deixar entrar homens em casa. O meu pai bate-me quando vou a casa dele. Mas eu gosto muito do meu pai.

Vivo com a minha tia que também recebe homens em casa. Ela pensa que eu não sei, mas eu vejo. Sei que ela gosta mais da minha irmã do que de mim. Eu tenho aqui as fotografias da minha família. Eu tenho uma família."

"O meu avô matou-se porque a minha avó recebia homens em casa. Eu não o conheci porque dizem que nasci depois dele morrer. A minha avó também toma conta de mim, também recebe homens em casa. Já teve uma trombose, mas só tem 50 anos. Eu tenho muito medo. Tenho medo de tudo. Tenho uma família. Tenho aqui as fotografias. A outra minha avó é maluca. É aquela que vem todos os dias aqui ao hospital. Eu tenho uma família."

E é tudo verdade. Não são confabulações.
Tudo isto era dita em catadupa, sem intervalos. Olhar fixo, gestos repetidos com os braços, polipneia.

10 mg de diazepan foram incapazes de acalmar. Foram precisos mais 5 mg. Dormiu 1 hora. Acordou com a mesma agitação.

Caixões. Vozes. Imagens do avô projectadas na parede.

Apoio psiquiátrico, já que apoio da sociedade não há.

O poder paternal tinha sido atribuído legalmente a uma destas sérias personagens .

Depois admirem-se que haja muitas histórias de joanas...

As urgências são a montra da nossa sociedade.

Os médicos não chamam as televisões, nem as televisões os procuram ...

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