segunda-feira, janeiro 26, 2004

"O negócio da solidariedade"

Com a devida vénia, transcrevo este bilhete do Mata-Mouros de 2004/01/26:

"Sempre me intrigou o termo IPSS (Instituições Particulares de Solidariedade Social). Isto porque pouco têm de particular Instituições cujo financiamento é garantido em 60% ou mais pelo Estado. Em Portugal assumiu-se que a solidariedade é algo de conta quase exclusiva do Estado, o que é óptimo para nos desresponsabilizar e aliviar a consciência. Assim sendo, o Estado é obrigado a apoiar toda a actividade dita privada que, supostamente, se dedica àquela causa.

Mas há aqui um efeito perverso. As organizações deixarão tendencialmente de se focar no seu objecto, naquilo que é a sua missão e tenderão a investir recursos na maximização da “avença” do Estado. A filantropia transforma-se facilmente num negócio; e, desgraçadamente, negócio que envolva o Estado há-de redundar sempre em corrupção.
"

Miklós Fehér (1979-2004)

O meu respeito por um homem que nos deixou.
Milhares deixaram-nos hoje, agora, neste minuto. Este jogava futebol. Teve assistência imediata. Segundo ouvi até um desfibrilhador no campo estava, embora com a contra-indicação da humidade.

Morreu depois de sorrir. Porque sorriria, segundos antes de morrer?

Quantos morreram sozinhos, sem imagens em directo, sem assistência médica. Basta entrar um pouco na província. O INEM não existe. Morre-se sozinho, sem imagem, sem louvor, sem televisão.

Mas os nossos jornalistas, ainda o pobre do jogador estava a ser reanimado e já tentavam encontrar bodes expiatórios. Como sempre, para os jornalistas não há morte natural...

A autópsia andará à volta de 'autopsia branca', enfarte, miocardiopatia hipertrófica sub-aórtica, qualquer arritmia ventricular, qualquer aneurisma de grandes dimensões.

Adeus!

sábado, janeiro 24, 2004

"Mas a mim custou-me muito engolir aquele acordo" confesssa Miguel Sousa Tavares

MST crítica asperamente os médicos que passam falsos atestados.
Critica e com razão. E tem o meu apoio.
Eu também os critico, assim como critico jornalistas que passam notícias falsas, advogados que falseiam os processos dos seus clientes, escritores que plagiam, pedreiros que cortam no ferro, professores que falseiam os sumários, juízes que alteram sentenças, políticos que mentem, carpinteiros que trocam a madeira, comerciantes que vendem gato por lebre e um número infindável de aldrabices.

O que eu não compreendo é como pode o MST, no seu artigo criticar mais os médicos do que os magistrados, pois foram estes que pecaram ao não condenar os médicos. Quer dizer na óptica do MST, vamos criticar os médicos porque falsearam atestados e criticá-los ainda mais porque os juízes apenas os multaram...

Mas o mais interessante é que o MST fez um acordo consciente (como conta no seu artigo), sabendo que era um mau acordo para a seriedade da Nação, que não ia julgar quem prevaricou e que apenas defendeu os seus interesses profissionais egoístas.

Diz MST no seu artigo "Guimarães: o Retrato da Nação" no Público de Sexta-feira, 23 de Janeiro de 2004: "Os médicos não fazem a mínima ideia dos danos que os seus falsos atestados causam à produtividade das empresas e à saúde das relações laborais. Por alguma razão somos o país europeu com mais baixas por doença anualmente."

Não sei de onde retirou os dados. Nós estamos habituados a referenciar as afirmações. Era só colocar um * e uma pequena nota em roda pé.

Os casos de baixas falsas não são tantos como apregoam. Entre falsas baixas e queixas inexistentes vai uma grande diferença. E muitas situações são por problemas sociais: acidentes de trabalho cujos patrões não têm seguro, acidentes de viação porque as companhias de seguro se desresponsabilizam, alcoolismo crónico, baixas para mães tomarem conta dos filhos ao primeiro pingo no nariz porque os jardins de infância se desresponsabilizam e as empresas não têm creches, não há ATLs abertos quando são necessários, listas de espera para cirurgias (hérnias discais, p.ex.), faltas por deficientes condições de trabalho, e ainda muitos conflitos laborais.

Ainda um ponto muito importante: como se mede a incapacidade de uma função (p.ex. fechar a mão, pois se foi amputado, é um dado objectivo)? E como se mede objectivamente a dor? O termómetro mede a temperatura, é um dado objectivo. E como se mede a ansiedade, o desespero, "os nervos" (Ai senhor doutor estou cheia de nervos!). E o sofrimento, a tristeza, a angústia, o desespero...?

Vamos dizer a todos os nossos doentes que nos estão a mentir! Temos que lhes dar o benefício da dúvida. Não podemos fazer acordos, como fez o MST no julgamento que descreve no seu artigo. Ou acreditamos ou não acreditamos, não há meio termo. E muitas vezes somos enganados, sem dúvida...

quarta-feira, janeiro 21, 2004

Duas Notícias Engajadas

1ª) Medicina científica: a RTP 1 fala de um produto - Xenical - caro, autorizado com a AIM (Autorização de Introdução no Mercado) para a obesidade. O laboratório luta para a sua comparticipação pelo Estado pois é caríssimo. A notícia numa TV generalista, embora com base científica, funciona como pressão. Talvez o início de um longo caminho.

2ª) "Medicina" alternativa: auriculoterapia. A notícia da TVI começa com esta introdução - para se ter êxito é necessário estar mesmo muito decidido a deixar de fumar. Mas, se se já está muito decidido porquê gastar 80 contos em plantas, massagens na orelha ou outras mezinhas. 99% do êxito já está garantido!

domingo, janeiro 18, 2004

Queixas Ao Sul

De uma notícia do Correio da Manhã de 18/01/04 assinada por Isabel Ramos.

"DADOS RELATIVOS A SUL E ILHAS

CLÍNICA GERAL

Em 2003 foram participadas ao Conselho Disciplinar Regional Sul da Ordem dos Médicos cerca de 120 situações de erro/má prática. As especialidades que deram azo a maior número de queixas foram Clínica Geral e Familiar (23), Ginecologia/Obstetrícia (20) e Ortopedia (10), disse o consultor jurídico da Ordem dos Médicos, Paulo Sanches.

URGÊNCIAS PÚBLICAS

Analisando as queixas pelo local dos factos, verifica-se que 15 respeitam a centros de saúde (Consulta - 12; Serviço de Atendimento Permanente - três), 60 aos hospitais do Serviço Nacional de Saúde (Urgências - 35; demais serviços - 25), 25 aos hospitais privados (Urgências - 7; Consultas - 18) e 27 a diversos locais, incluindo consultórios.

17 CONDENAÇÕES

A sanção é aplicada pelo conselho disciplinar da secção da Ordem dos Médicos em que o clínico está inscrito. O Conselho Disciplinar Sul aplicou, em 2003, “17 condenações, entre advertências, censuras, quatro suspensões e uma expulsão”, disse o consultor jurídico Paulo Sanches. Das sanções há recurso para o Conselho Nacional de Disciplina
".

Subinhados meu.

Eu Já Contribuí Aqui

para o serviço público que o Paulo Querido presta à cultura e comunicação em Portugal.

"Empinar no Natal"

Vivo e trabalho numa grande cidade há mais de 20 anos.

Já fiz provavelmente milhares de bancos e realizei milhões de consultas em diversas unidades de saúde de pequena, média e grande dimensão.
Já trabalhei em SAPs para aumentar o orçamento familiar.
Já ouvi milhares de frases simples com imaginação.
No início da carreira clínica coleccionei alguns ditos e frases imaginativas. (Ideia comum a muitos médicos no início da sua carreira).

No início de Janeiro em mais um atarefado banco de um hospital urbano, quando perguntei a uma doente qual o motivo da consulta, obtive a seguinte resposta:

- Sr dr, o meu marido quis empinar-me no Natal.
- Quis o quê? Perguntei admirado.
A doente, surda, aumentou o volume da sua prótese auditiva e no meio de enormes apitos que estas originam, repetiu:
- Quis empinar-me no Natal. Eu assustei-me, caí e dei cabo deste joelho. Deve estar desmanchado e desconfio que deve ter líquido. Quando o quis tirar de cima de mim, dei cabo deste pulso.
- Pronto. Já compreendi. Vai fazer umas chapas e volta aqui.
- Antes de partir para o anonimato, ainda lhe perguntei: E o seu marido, que idade tem?
- Tem 80, senhor doutor.
- Pois é. A senhora tem 79. Bom ano e felicidades para si e para o seu marido!

Sem dúvida que esta história se torna simpática e se dúvidas houvesse sobre se o Natal é ou não a festa da família, a resposta é dada por esta pulsão sentida no Natal.

Enfim, Natal é mesmo a festa dos afectos ....

Mas...

Se tivessem menos 30 anos, seria caso de violência doméstica;
Se tivessem menos 50 anos, seria caso de violação, consumada ou não;
Se tivessem menos 60 anos, seria caso de amor intenso;
Se tivessem menos 70 anos, seria um caso de brincadeira de crianças influênciadas pelas telenovelas;
Se tivessem menos de 13 anos, e pelo menos 5 anos de diferença, seria pedofilia.

quinta-feira, janeiro 15, 2004

Afinal Em Que Ficamos? Odontologistas ou Médicos Dentistas!

Esta notícia do Público, de 11 de Janeiro de 2004 "Uma Centena de Centros de Saúde com Odontologistas", assinada por Lusa é no mínimo confusa. Depois de ler, tirei a conclusão: continuará a discriminação - os ricos irão para os médicos dentistas nas clínicas privadas, os pobres e a classe média irão para os odontologistas nos centros de saúde.

Que democrática democratização ou então que venha a correcção da notícia...

"O Governo promete "democratizar" gradualmente o acesso dos portugueses aos cuidados de saúde oral, colmatando as insuficiências do Serviço Nacional de Saúde (SNS) nesta área específica.
[...]
Os serviços nesses centros de saúde serão prestados nomeadamente por odontologistas. Estes profissionais poderão vir a ser vinculados ao Estado através de contrato individual de trabalho ou mediante protocolos. Contudo, o governante não descartou outras hipóteses e disse que estão a estabelecer-se "pontes" de entendimento com a OMD. A par desta iniciativa, continuam a decorrer programas de saúde oral pensados para grupos específicos, como crianças, idosos e portadores de deficiência.

[...] o bastonário da Ordem dos Médicos Dentistas, Orlando Monteiro da Silva, Portugal é um país "onde só os ricos podem tratar os dentes", uma vez que a maioria dos médicos-dentistas trabalha nas 2500 clínicas privadas da especialidade.

"Já é tempo de deixarmos de ser um país de desdentados e de o Governo perceber que não há saúde geral sem saúde oral", reivindica.

[...] o dirigente quer ainda combater o exercício ilegal da profissão, uma intervenção que vai ser possível através dos novos estatutos da OMD.
"

terça-feira, janeiro 13, 2004

Dei Mais Um Passo A Caminho Dos Cem Anos!

(continua)

Literatura Médica XI

Laboratório de Anatomia Patológica

Av.

Tel: - Fax:
E-mail:

Análise nº:
Data:
Exmo.(a) Senhor(a): Maria

Exmo. (ª) colega Dr. (ª):

O exame histológico de biópsia endoscópica digestiva enviado com a informação clínica de gastrite crónica, pesquisa de H. pylori, pertencente à (ao) utente M , deu o seguinte resultado:

Diagnóstico Histológico:

Vários fragmentos de mucosa gástrica de tipo pilórico, com gastrite crónica activa moderada, com atrofia ligeira, associada a moderada quantidade de bacilos do tipo do H. pylori. Há metaplasia intestinal completa extensa.

domingo, janeiro 11, 2004

ãh?

"A vocação dos hospitais transformados em sociedades anónimas (SA) "não é tratar doentes mas sim arranjar dinheiro". A confissão é de Fernando Marques, presidente do Conselho de Administração do Centro Hospitalar do Alto Minho"

dos jornais.
____________________
"ãh? — É aquele som que não se deve fazer em vez de "o quê?" ou "como (disse)?" (do Livro de Estilo do Público, edição on-line)


sábado, janeiro 10, 2004

"O texto sobre a felicidade foi mero desabafo de alma num sábado à tarde."

Com a vénia exigida e a devida autorização da Maria** apresento a Felicidade:

"Quando era muito jovem, acreditava que a Felicidade estaria logo ali, que bastaria um pequeno piscar de olhos e … zás! Nessa época, ainda não sabia que a a Felicidade é uma deusa ciumenta, vingativa, também desconhecia que o seu passatempo favorito é pregar partidas aos mortais que perseguem a ideia de a alcançar. À medida que o tempo foi passando, que fui ‘crescendo’, aprendi que esta deusa caprichosa é tão etérea quanto fugaz e, implacável, jamais se apieda das humanas distracções.



Por instantes - segundos, minutos, horas - surge, mas logo, asinha, esvoaça ...



A Felicidade acerca-se de mansinho quando contemplo na imensidão do mar a onda murmurar docinho, quando fito a majestosa vaga procelosa com a sua voz maviosa, quando vejo uma ave saltitar, uma nuvem peregrinar, uma árvore florir, uma criança sorrir, um relâmpago refulgir, quando aspiro o olor de uma flor, quando ouço um verbo palpitante, uma música inebriante, o som da chuva a cair, quando no coração dos que amo há compaixão para estenderem a mão sem olharem à razão, quando uma ditadura é derrotada, uma guerra não é desencadeada, quando um novo medicamento minora o sofrimento, quando um texto me dá aprazimento, quando nos humanos há sentimento, quando um pouco de calor atenua a dor, quando satisfaço o desejo de um beijo, quando depois da tempestade surge a potestade e, num dia primoroso, o sol radioso…

Em síntese, é isto o que eu penso sobre a felicidade. No fundo tudo se reconduz ao carpe diem. Agarrar o momento, fruí-lo porque sei que não vai durar muito, não complicar o que não tem complicação, lutar para conseguir melhorar o que está mal mas não me encostar e chorar pelo muito que não posso solucionar."

A Distância Entre Medicina, Justiça e Jornalismo vs Opinião Pública É A Substância Desta Notícia

Notícia do Portugal Diário de 09/01/04:

"«Violação por pessoa famosa melhora auto-estima»

Opinão é do psiquiatra Pio Abreu que gerou indignação na assistência de uma conferência

O psiquiatra Pio Abreu disse hoje numa conferência internacional sobre abusos sexuais que "a auto-estima de uma pessoa melhora se for violada por uma pessoa famosa", uma afirmação que gerou indignação entre a assistência.

A conferência sobre abusos sexuais, que decorreu na Universidade Lusíada, em Lisboa, suscitou polémica entre o público assistente, que questionou algumas vezes a defesa feita aos eventuais agressores e a acusação às alegadas vítimas.

Uma das intervenções polémicas foi a de Pio Abreu que, questionado por um dos presentes na assistência quanto ao significado da sua afirmação, respondeu que quando há más recordações as pessoas lembram-se do que lhes melhora a auto-estima e "as ligações a pessoas famosas são uma forma de reforçar a auto-estima".

O psiquiatra criticou seguidamente a indignação das pessoas perante estas situações e, embora concordando que todos anseiem por justiça, salientou que é necessário haver distanciamento.

Pio Abreu frisou que o papel do clínico é o de ajudar o doente a suportar o seu problema, melhorando a auto-estima, enquanto o papel do juiz é o de fazer cumprir as leis.

"Fazer justiça com sentimentos leva ao linchamento e à justiça popular e parece-me que é o que está a acontecer", disse.

A afirmação "as crianças não mentem" foi alvo de alguma discussão com o psiquiatra Adriano Vaz Serra, para quem as crianças são sugestionáveis e podem mentir, mas que não o farão se falarem por elas no contexto clínico, sem serem questionadas, sem que nada lhes seja procurado ou suscitado.

A propósito, a pedopsiquiatra Ana Vasconcelos salientou a importância das crianças não mentirem em tribunal para que não se cometam injustiças.

"Podem mentir em todo o lado, não podem é mentir em tribunal porque senão não fazemos justiça com justeza", disse, acrescentando que "não se pode falar rapidamente, tem de ser com ponderação".

Uma juíza presente na assistência interveio para contar um caso de abuso sexual de uma criança que acompanhou e criticou o facto de, na conferência, "não se pôr a tónica nas mentiras dos agressores".

"Temos de falar nas mentiras dos agressores, onde não temos posto a tónica, porque os agressores têm mais razões para mentir e mentem mais", disse.

No final da mesa redonda, dedicada ao tema "abuso sexual, dimensão do problema", uma interveniente do público considerou haver alguma confusão e acabou por questionar quem é, afinal, o abusador e quem é a vitima quando há envolvimento sexual entre um adulto e uma criança.

Entre a assistência encontrava-se a mulher do apresentador de televisão Carlos Cruz, arguido no caso Casa Pia, que questionada pela Lusa se tinha sido convidada para o encontro apenas disse: "estou aqui de livre vontade"
."

Um Diálogo

Uma hipótese de diálogo num hospital público SA, no futuro:

- Sr. Dr tenho uma catarata no olho esquerdo.
- É dos seguros?
- Sou sim.
- Então vá para aquela sala que o hospital opera-a já.

Ou

- Sr. Dr tenho uma catarata no olho esquerdo.
- É dos seguros?
- Não, sou do Serviço Nacional de Saúde, que construiu este hospital e que lhe paga os ordenados, a si e a todo o pessoal que aqui trabalha.
- Então vá para aquela lista de espera que o hospital opera-a dentro de cindo anos!

quarta-feira, janeiro 07, 2004

Outras Ajudas Para Intelectuais

Obrigado JP e saia do teste rapidamente! E não exagere nos elogios, ok!

"De: aindaemteste@hotmail.com
Data: Quarta-Feira, 7 de Janeiro de 2004, 4:47
Para: medicoexplicamedicina@iol.pt
Assunto: bicho escala estantes
Sr. Doutor! Como está?
Procurei no Google o nome "Vincent Bengelsdorf", que assina as postas do
Bicho Escala Estantes e descobri um blogue com posts também assinados por
"Vincent Bengelsdorf". Ambos afirmam trabalharem ou terem trabalhado na
FNAC. Julgo, portanto, que não se trata de uma mera coincidência e que o
bicho não morreu só terá mudado de estante pois o conteúdo continua
.É esta
a morada do site: http://vbengelsdorff.blogspot.com
Já agora permita-me: Não desapareça, continue a brindar-nos com os seus
bilhetes, mesmo que sejam publicados de tempos a tempos, pois eles são dos
melhores que a "blogo-esfera" tem para nos oferecer.
Com os devidos cumprimentos,
JP
"

Outros Explicadores Para Intelectuais (II) (Outras Opiniões!)

"Caro Sr. Doutor,

Desde que me tornei leitora de blogs, descobri o seu e leio-o de quando em vez. Fiquei satisfeita por ver que tinha decidido continuá-lo, e tinha mesmo pensado em lhe enviar um mail a felicitá-lo por tal decisão quando li o seu post de hoje, sobre a jovem grávida que pela segunda vez atendeu. Acabo por lhe escrever acerca desse assunto.

Devo esclarecer desde já que acredito que a vida humana existe desde o momento da concepção, e que deve ser protegida desde esse primeiro instante. Não o digo por ser católica - que o sou, mas bastante crítica e reservando-me o direito de pensar pela minha cabeça e não me limitar a seguir o que diz a doutrina oficial. Por esse motivo, por exemplo, sou a favor do divórcio (e acredito firmemente que se os padres casassem ele seria autorizado de imediato), dos contraceptivos, etc, etc, etc (poderia multiplicar os exemplos, mas não vale a pena). Aquilo em que creio sobre o início da vida humana prende-se essencialmente por ninguém me ter conseguido demonstrar que eu fui alguma vez outra coisa que eu própria, a partir do momento em que duas células se juntaram e deram origem a um novo ser (que era eu, um eu diferente do que veio a nascer, claro, mas eu). Aí começou a minha vida; aí começou a da minha filha - e esta vida gerada no meu seio não era um pedaço de mim, mas um ser autónomo que eu tinha por obrigação proteger, antes do nascimento como depois. Para mim, isto é tão claro como água - mas claro como água é também que deve ser terrível uma gravidez indesejada, ou levada a cabo em circunstâncias difíceis como as que descreve relativamente à situação dramática desta rapariga.

Pelo que conta, trata-se de uma jovem que cresceu desapoiada, julgou ter encontrado a felicidade ao lado de alguém com quem quis ter um filho, se viu abandonada e não sabe o que fazer à vida, nem tem, pelo que me apercebi, grande vontade de a viver. Ela falava de abortar; o senhor falou-lhe em Espanha. Se eu defendo a vida que ela tem no ventre, também, repito, compreendo a situação desesperada em que ela se deve encontrar. Mas, sinceramente, será que fazer desaparecer o filho é a solução para os problemas que tem? ´Não o ter dar-lhe-á o emprego, o sustento, o carinho e o apoio que lhe faltam? E não foi o filho o que ela mais quis, mais desejou na vida? Não poderá ele ser a sua âncora, o seu norte?

Não, o meu discurso não é moralista nem ingénuo, acredite; sei o que a minha filha é para mim, a força que ela me dá, o TUDO que olhá-la nos olhos e rir com ela significa. Sei como sem ela ao meu lado eu teria deixado invadir-me por uma valente depressão, como teria desistido de ir em frente, por uma série de razões que agora não importam. Sei como não me posso arrepender de um dia ter casado, apesar desse casamento ter chegado amargamente ao fim, porque foi ele que me deu a minha filha. Essa mulher de quem fala não poderia sentir isso ambém? Se fosse encaminhada para uma das organizações/instituições que ajudam mulheres em idênticas circunstâncias (já que não tem mais ninguém), não poderia ela vencer as dificuldades e vir a ser feliz com o filho ao lado? Não vale a pena fazer passar essa mensagem à jovem que se apresentou desesperada diante de si?

Eu sei que é fácil falar. Mais difícil é agir e saber agir. Como eu gostava de poder encontrar uma solução, qual mágico tirando um coelho da cartola... Mas, cá bem do fundo de mim, tenho a certeza que não é terminando a gravidez que a vida dessa rapariga melhora. Pelo contrário: a um rol de desgraças acrescentar-se-ia uma nova e bem profunda dor, mais um sonho (e que sonho!) por realizar.

Não quero terminar sem fazer um reparo. Diz no final do seu post: "uma simples interrupção voluntária da gravidez". Quero acreditar que não seja, nunca, "simples". Partilhe-se da minha convicção sobre o começo da vida humana, ou não.

Avisa no seu blog que o correio recebido poderá ser publicitado. Peço-lhe o favor, caso por algum motivo o queira fazer, de não indicar o meu nome.

Os melhores cumprimentos, e continue a escrever, que eu continuarei a lê-lo.

RM"

Censura ou iMbEcIlIdAdE?

Sem comentários a esta mensagem que o amigo da liberdade (Gonçalo Simões) do blog Dois dedos de conversa teve a amabilidade de me enviar. No seu blogue há notícia de mais censuras...

"De: Gonçalo Simões
Data: Segunda-Feira, 5 de Janeiro de 2004, 19:05
Para Gonçalo Simões
Assunto: Censura do blogue

Envio, em anexo, a imagem da página do blog http://medicoexplicamedicinaaintelectuais.blogspot.com/ quando se tenta aceder-lhe a partir de uma escola pública, servida pela rede RCTS (que são praticamente todas).
Ou seja, estamos perante uma acto de censura que já denunciei no meu blog em 18 de Dezembro http://www.doisdedosdeconversa.blogspot.com
Quando detecto algum blogue cujo acesso está impedido por aquele sistema de filtrgem, tenho vindo a contactar com os respectivo(s) autor(es), alertando-o(s) para o problema.
Denuncie!!!
Proteste!!!!
Cumprimentos
Gonçalo Simões
--------------------------------------------------------------------------------
Serviço de Filtragem Web
http://medicoexplicamedicinaaintelectuais.blogspot.com/
--------------------------------------------------------------------------------
O acesso a esta página encontra-se vedado pelo Serviço de Filtragem Web* devido ao seu conteúdo ser considerado ofensivo ou inapropriado no âmbitro das instituições RCTS.
Caso a página pretendida não se enquadre na classificação acima descrita, contacte o responsável da sua instituição para que nos informe com a maior brevidade possivel.
________________________________________________________________________________________________
(*) Este é um serviço disponibilizado pela RCTS cuja adesão/activação é da inteira responsabilidade da instituição
"

terça-feira, janeiro 06, 2004

A Moça do Post de 16.12.03

Hoje fui procurado no banco de urgência semanal pela grávida da história do post referido no título.

O motivo da consulta não é relevante para este bilhete.

Relevante é o pouco diálogo que tive com ela.

- Então, sempre foi a Espanha?
- Não. Não tive dinheiro.
- Então decidiu continuar com a gravidez?
- Que remédio! Mas já decidi também, quando nascer afogo-o. Eu e a criança!
- Oh, xyz, não faça isso. Imagino que está a brincar comigo.
- Não estou. Eu não posso ter esta criança! Eu não devo ter esta criança! Como a vou governar?... Se nem a mim me posso governar?... Como posso vir a gostar dela, se nem de mim gosto?... (Iniciando um choro convulsivo).
- O senhorio já me disse que, como o contrato não está em meu nome, no fim do mês tenho que sair.
- Mas tem os seus pais, tem os seus irmãos e tem ainda os futuros avós, pais do seu ex-marido.
- Os meus pais não me querem lá, dos meus irmãos, só um é que gosta de mim, mas como a mulher dele não gosta de mim, nem o posso visitar. Os pais do zyx nem querem ouvir falar do filho quanto mais do neto e de mim.
- Então que vai fazer?
- Para já vou para X (nome de uma cidade de província). Como a barriga ainda não se nota, pode ser que arranje lá trabalho.
- E as consultas? A sua gravidez assim será uma gravidez de risco.
- Ainda não fiz nenhum exame e nenhuma análise que o meu médico de família me pediu. Ela já me falou que deveria ser consultada no hospital, por ser uma gravidez de risco, mas eu não quero. Não sei o que vou fazer à minha vida.
- Olhe, leve esta amostra e tome. Está com uma infecção urinária.
- Diga-me, se não tomar, posso abortar?
- Oh, xyz, não pense sempre nisso. Agora já é muito difícil! Tente encontrar alguém que a ajude. sei que a sua vida vai ser muito difícil. Se precisar de ajuda, diga.

Quando fechou a porta do gabinete, pensei: mas que ajuda lhe poderei dar? A ajuda que ela de facto quer, não pode ser dada. Só espero que não sinta o que de facto me disse.
Seria uma tragédia muito maior que uma simples interrupção voluntária da gravidez.

O próximo.
Pode entrar o próximo.
(Novas queixas, novos sintomas, novas histórias deste povo que eu amo!)

domingo, janeiro 04, 2004

Mata-Mouros: O Culpado da Minha Adição!

Não fosse o Mata-Mouros distinguir-me com uma referência sobre os blogues do ano (aproveito para agradecer, ainda mais corado que o Aviz, pois não uso barba) e este bilhete já não existiria.

Era a segunda vez que me aproximava da recta final, da hora do encerramento, do último dia, do último bilhete.

Da primeira, redimi-me depois de ler algumas mensagens que me obrigaram a continuar.

Fiquei.

Mas é difícil continuar. Não tenho Internet no emprego (e se tivesse, não teria tempo!), cumpro escrupulosamente o horário de funcionário público, ou melhor, não tenho escrúpulos e ofereço muitas horas ao Serviço Nacional de Saúde, isto é, aos portugueses doentes.
Não estou em exclusividade, e portanto, quando termino o horário oficial, não vou discutir futebol, nem beber uns copos, nem relaxar, (mas também não vou estar com a família) e ainda me disponibilizo para os que preferem pagar uma consulta privada ou avençada. Também têm os seus direitos.

Assim neste mundo material, materializo alguns sonhos, mas retiro espaço para a blogosfera. Para cuscar e para prantar * posts, postas, postais, bilhetes, ou o nome que ainda não consensualizaram.

Quando há seis meses, por mera curiosidade, ou sendo mais sincero, num rápido e juvenil processo experimentativo devido à sua fácil acessibilidade construí este espaço público, ao qual dei o nome 'Médico Explica Medicina A Intelectuais', não imaginaria que dois dias depois tivesse uma centena de visitas e uma semana decorrida, uma referência positiva no Abrupto.

E construído num acesso de amor e ódio pelos intelectuais.

Amor, porque não me considerando um intelectual no sentido estrito da palavra substantiva ("pessoa cuja actividade principal está relacionada com o uso preponderante do intelecto; pessoa de cultura", do dicionário) reconheço nos intelectuais o motor do mundo, o motor da sociedade na sua vertente evolucionista para a qualidade. Amor, porque invejo quem tem o prazer de devorar livros e escalar estantes**. Amor, porque me lembro do valor do meu Pai que devorou livros e se auto-cultivou, nunca se diferenciando academicamente.

Ódio, porque assisto a alguns intelectuais de grande valor adoptarem posições e atitudes anti-ciência, empíricas, da moda. Ódio, porque os vejo cegamente arregimentados para orientações, movimentos, que de cultura nada têm e cujo objectivo é divulgar o misticismo, o curandeirismo, o obscurantismo, o esoterismo, etc. E aqui entra muita massa cinzenta jornalística...

Hoje jantei com um bloguer que sabe que o médico não é anónimo. Disse-me para continuar.

______

* verbo transitivo 1. popular plantar; 2. popular
colocar;


** Parece que este bicho morreu.

A Face Oculta das Quatro Paredes de Um Consultório

" (...)
O caso que agora publicamos é o de um médico já com 30 anos de prática clínica numa pequena cidade, de quem nunca ninguém teve motivo de queixa, que, para além de exercer a sua clínica, trabalhava gratuitamente num clube, fazendo medicina desportiva.
Esse clínico fazia os exames médicos a todos os cidadãos que pretendessem praticar qualquer actividade desportiva nessa agremiação. Era uma actividade calma, sem incidentes, cujos utentes eram, na sua maioria, jovens, saudáveis e bem-dispostos.
Até que um belo dia, por entre os jovens aspirantes a atletas, apareceu um adolescente de 14 anos, cuja família o acompanhava e aguardava fora das instalações do clube, menino de família, pretendente a desportista, etc., etc. Foi este personagem que veio, nesse dia, alterar por completo a pacatez do centro médico daquele pequeno clube.
O rapazola era dado a graçolas, atrevido, gostava de dar nas vistas, decidiu divertir-se à custa do Médico fazendo o seu show junto dos colegas que ali estavam.
O gozo do miúdo começou com as questões que o médico lhe punha sobre os seus antecedentes pessoais, familiares, perguntas sobre a altura, sobre o peso, se tinha tido doenças, o costume, mas... a inocente criança a tudo, com um ar trocista, respondia que não sabia! O médico ainda foi mantendo a calma, mas decidiu pesar o putativo atleta, mandando-o para a balança.
- Balança? O que é uma balança?
Bem, e esta rábula foi prosseguindo, sempre neste clima, até que o Médico disse:
- Basta! Não faço exame a este malcriado! Sai! Rua!
Então o garoto saiu assustado e, passados momentos, surge a mãe da criatura, que invade o gabinete e, vai daí: - Quero falar com o médico e quero que ele me explique o que se passou!
Resposta do clínico:
- Mas eu não quero falar com a Senhora!
Entretanto o menino, por trás da mãe continuava a gozar, a fazer gestos obscenos, alternando com gestos ameaçadores evocando murros! E, pior que tudo, terminou esse espectáculo de mímica com um gesto muito feio, vulgar nas contendas futebolísticas, executado, e vou citar o processo, " (...) com os três dedos centrais da mão"!!!
O médico... era de prever, não era feito de ferro e, olvidando todos os códigos deontológicos, respondeu do mesmo modo, fazendo a velha e conhecida figura digital, acompanhada da elegante frase; "olha, toma para ti!"
Eloquente!
A Mãe do menino, carregadinha de testemunhas daquele dignificante diálogo gestual, decidiu fazer queixa à Ordem dos Médicos. Assim, foi aberto processo de inquérito, nomeado vogal relator, notificado o participado para que, querendo, dizer o que tivesse por conveniente no prazo de quinze dias.
O médico acusado, assim fez, respondeu, confirmando em absoluto a matéria da queixa, tecendo ainda considerações sobre o insólito da situação que, de facto, o tinha alterado completamente, a ponto de o ter descontrolado.
O despacho final do Conselho Disciplinar Regional reza então, e passamos a citar" (...) Resulta dos autos, o próprio arguido o confessou, que efectivamente praticou o facto de que vem acusado.
O comportamento do arguido constitui uma clara violação do disposto no artigo 26° do Código Deontológico publicado na Revista da Ordem dos Médicos n° 3/85, na medida em que se tratou de uma atitude cujo único escopo foi ofender terceiros – neste caso o paciente.
Alega o arguido que tal acto foi uma consequência das provocações constantes de que foi alvo. (...) Atento o facto praticado, o facto de o participado ter confessado a sua prática, contribuindo dessa forma decisivamente para a descoberta da verdade, e o facto de não ter qualquer registo de infracções prévio, entende-se ser adequada a aplicação da pena de advertência."
Não poderia ser de outra maneira, a conduta do Médico não foi, de facto correcta, violou o Código Deontológico quando se descontrolou a este ponto no exercício das suas funções. Ou seja: por vezes são necessários nervos de aço!
"

Um caso de linguagem gestual inapropriada!, Rui Pato (Presidente do Conselho Disciplinar da Secção Regional do Sul da Ordem dos Médicos), in Revista Ordem dos Médicos, 2003 Novembro, Ano 19 (40), p 22.

Título e sublinhados meus.

Quem teve a paciência de ler o texto até ao fim de certeza que desculpará a atitude do clínico.

As paredes de um consultório, tanto podem esconder as más atitudes de um médico, como as atitudes irreflectidas, inconscientes ou inocentes de um paciente.

Mas ...

Em todos os casos o médico, de acordo com o seu Código Deontológico, tem que ser correcto. Tem que compreender as atitudes do utente no contexto em que são praticadas.
No contexto de um acto médico! E as atitudes inapropriadas de um doente podem ser um sintoma de uma doença orgânica (demência), psíquica (distimia) ou social (podem escolher o nome...).

Este médico, com uma atitude irreflectida, tem a sua folha de serviços manchada e que num outro futuro poderá funcionar como factor agravante.

sábado, janeiro 03, 2004

Fnac - Fábrica Nacional de Ar Condicionado

Hoje fui à FNAC no Colombo. Não à FNAC (Fédération nationale d'achat des cadres), mas à FNAC (Fábrica Nacional de Ar Condicionado) do Sr Alexandre Alves e fundadora da Fundação Serralves em 1989 (Quem diria!). Afinal as duas com pretensões culturais.

E que vi eu na FNAC?

Centenas de pequenos avisos afixados em vários locais da extensa loja onde se podia ler: telefóne e imprescendível.

Protestei!

Um agente que se reclama de cultura não pode assassinar a língua portuguesa e com a agravante desses prospectos serem lidos por milhares de pessoas e serem os erros reproduzidos pela credibilidade do nome FNAC (a da cultura!)