sábado, dezembro 20, 2008

A culpa é dos médicos

Este post de uma Colega e a sua denúncia só pode ter o meu aplauso porque há 25 anos atrás algo parecido acontecia comigo.
Não com todas mas com alguns desses colegas mais graduados... tive a sorte de alguns deles só passarem pelas brasas quando o sol nascia...
Parece que a coisa terá piorado...
Mas tal não invalida que devam existir limites ao trabalho extraordinário e que a sua ultrapassagem seja opcional...mais, não poderá aí ser invocado o excesso de trabalho e/ou o cansaço como justificação para eventual erro médico...

médicaquetambémexplica disse...

respondendo à perplexidade de um anónimo colega face à possibilidade de os médicos trabalharem tantas horas seguidas, a minha explicação é a seguinte: as coisas passam-se assim porque convêm a muitos, nomeadamente aos que ganham essas 24 sobre 24 horas fazendo muito pouco.fui interna de Medicina Interna num grande hospital do Porto há 10 anos e o que se passava era que uma boa parte dos mais graduados ganhava as suas horas extraordinárias sentada na sala dos médicos do SU, sendo a frente de ataque assegurada pelos internos gerais "chefiados" pelos internos de especialidade. especialistas a trabalhar de facto? havia, alguns, muito poucos. porque continuavam esses? não sei.ao fim de 6 meses de internato de MI, puseram-me sozinha a assegurar a noite (das 20 às 8), "chefiando" 4 internos gerais e com uma interna mais avançada supostamente na rectaguarda. morreram doentes enquanto eu batia, sem sucesso, à porta dessa interna mais graduada, de sono pesado.a partir dos 6 meses, puseram-me também a fazer 24 horas. 24 horas quer dizer das 8 até se conseguir serenar a secção de OBS, o que acontecia às 3, às 4, às 5 da manhã, dependia. mas, aí a partir da meia-noite, o pensamento começava a toldar-se-me e o que restava por fazer era feito cada vez mais devagar, como se estivesse a subir uma montanha cada vez mais íngreme.no dia seguinte, tinha a enfermaria à minha espera. doentes muito doentes, às vezes internados na urgência da véspera, à espera de um rumo. eu era das poucas que, não obstante, ia para casa dormir. não conseguia fazer de outra maneira. e ouvia por isso, mas nunca me cortaram no salário.e os especialistas que tinham passado a urgência de véspera sentados na sala dos médicos, ninguém os via também na enfermaria, em dia nenhum.não me estou a chorar enquanto médica porque acho que este estado das coisas é culpa dos médicos: dos que a ele se sujeitam (eu vim-me embora), e dos que, mal podem, passam ao degrau acima que lhes permite fazer cada vez menos, ganhando um pouco mais.isto era há 10 anos. não tenho a certeza se ainda é assim.
Sábado, Dezembro 20, 2008

1 comentário:

Anónimo disse...

Hoje em dia não é muito diferente...Na verdade quanto mais se progride na carreira menos se faz... eu sou interna de 5º ano de Med interna de um hospital do Porto e estou desejosa de me tornar especialista... para ganhar autonomia? Não... apenas para trabalhar menos! É que como interna sou escravizada até ao tutano, faço várias urgencias por semana, noites, residencias, fins de semana enquanto os especialistas no mesmo serviço cumprem apenas o dia semanal de urgencia e 1 fim de semana de 2 em 2 meses... e eu ainda tenho de estudar, fazer trabalhos, curriculos, exames, etc, etc...

Ainda assim, mesmo que haja médicos que tenham de facto de trabalhar 24h para compor o salario, acho que todos concordam que é desumano trabalhar tantas horas seguidas e fazem-no porque estão escalados, não são eles que dão disponiilidade ou insistem em fazer urgencia... senão, haveria medicos a sobrar nas urgencias porque todos queriam ganhar horas extra e isso não acontece, muito pelo contrario... a escassez de medicos parece-me ser o verdadeiro motivo por que a maioria cumpre 24h... embora dê jeito a alguns acho que se lhes dessem a escolher, poucos se manteriam no mesmo regime. Eu, por ex. disepnsava bem as horas extra neste momento, só as faço porque sou mesmo obrigada a isso e requisitada!