Estudo Europeu Sobre Erro Médico
"Cidadãos têm medo mas confiam
Um estudo da União Europeia (UE) revelou que metade dos portugueses teme vir a ser vítima de um erro médico. Mas, apesar dos muitos receios, os doentes parecem confiar nos médicos. O «TM» ouviu alguns especialistas na matéria para saber como encaram estes resultados.
Cinquenta por cento dos portugueses receia vir a ser alvo de erros médicos e 59% considera ser provável sofrer um erro grave, provocado por um médico ou outro profissional de saúde, num hospital do nosso país. Estas são algumas das conclusões mais marcantes do estudo do Eurobarómetro da Comissão Europeia, o primeiro sobre erros médicos.
O trabalho, divulgado no início deste mês, revela que o erro médico é uma preocupação para a maioria dos europeus, embora a dimensão do fenómeno varie de forma considerável em todo o território europeu. Em média, 4 em cada 5 cidadãos do velho continente pensa que o erro médico é um importante problema no seu país.
Em Portugal, a percepção é semelhante – 77% dos inquiridos julga que o erro médico é uma questão preocupante. Mesmo assim, neste particular, estamos longe das cifras quase assustadoras da Itália, onde 97% dos cidadãos considera o erro médico um problema nacional importante.
Definição imprecisa
Mas quando se pergunta aos portugueses se pensam ser provável vir a ser alvo de um erro médico grave num hospital nacional, o número de respostas afirmativas (59%) coloca-nos em sétimo lugar, na tabela dos 30 países estudados, e acima da média comunitária (47%).
António Vaz Carneiro, médico e director do Centro de Estudos da Medicina Baseada na Evidência da Faculdade de Medicina de Lisboa, defende que estes números devem ser analisados com muito rigor, não só porque o problema do erro médico é complexo, mas também porque a percepção do conceito, por parte da opinião pública, é com frequência imprecisa. «Muitas vezes, aquilo que as pessoas pensam ser um erro médico é antes um efeito adverso ou uma reacção alérgica inesperada», explicou.
Por isso, Vaz Carneiro considerou, nas suas declarações ao «TM», que as pessoas estão confusas e, a crer nos números, muito assustadas, sem razão. «Se, de facto, mais de metade dos portugueses pensa ser possível um dia sofrer um erro médico grave dentro de um hospital nosso, então, estão fora da realidade, porque felizmente a percentagem de erro médico não é tão elevada», frisou.
Por seu turno, José Fragata, cirurgião e autor do livro O erro em Medicina, também ouvido pelo «TM», admitu que as cifras encontradas estão «dentro do que seria esperado», mas sublinha a peculiaridade deste estudo. Na verdade, os trabalhos até agora conhecidos (sobretudo oriundos dos Estados Unidos, Inglaterra e Austrália) baseiam-se na declaração voluntária ou revisão de processos feita por profissionais de saúde, enquanto o estudo da UE assenta em inquéritos efectuados ao público, «o que aumenta a sensibilidade, mas reduz a especificidade ou o rigor na definição de erro».
Neste contexto, o especialista destaca que, de acordo com o Eurobarómetro, o reconhecimento do problema entre a população é elevado, mas apenas um pequena parte declara já ter sido vítima de um erro médico (23%, no total, 16% em Portugal). Para o cirurgião, esta aparente discrepância «traduz bem o impacte da notícia e o papel dos media na divulgação, nem sempre bem feita, deste problema de saúde».
Já Guilherme de Oliveira, director científico do Centro de Direito Biomédico da Faculdade de Direito de Coimbra, disse ao «TM» que estes números estão em consonância com os resultados dos estudos realizados nos Estados Unidos sobre a matéria. «Não me admira que haja, na Europa, muito mais erro médico do que se pensa, se, de facto, a nossa realidade não for muito distinta da norte-americana. E os dados agora divulgados vêm mostrar que a população tem essa percepção ou, pelo menos, desconfia», afirmou o jurista.
Confiança nos profissionais
Apesar destas cifras reveladoras de uma apreensão generalizada em relação ao erro médico, é curioso notar que os cidadãos europeus parecem confiar nos seus profissionais. Entre nós, os dentistas são os mais merecedores da confiança dos utentes (70%), seguindo-se os clínicos e o restante staff médico (ambos 68%).
Vaz Carneiro não tem dúvidas que a confiança demonstrada nos médicos é «um sinal positivo para a classe», enquanto José Fragata defende que este resultado ilustra a «complexidade das determinantes da relação médico-doente», entre as quais se destaca a confiança, «parte integral do “contrato de tratar”».
No entanto, a educação dos doentes é uma «batalha difícil» e que «está longe de ser vencida». E essa é uma tarefa dos médicos, lembra Vaz Carneiro.
Nórdicos são excepção à regra
No meio de um mapa em que reina o pessimismo, a Finlândia e a Dinamarca parecem ser as excepções que confirmam a regra. Estes são os únicos países onde apenas menos de metade da população considera importante o problema do erro médico. Pelo contrário, em Itália, na Polónia e na Lituânia mais de 90% dos inquiridos encara a questão do erro médico como um problema de alto relevo no seu país.
No geral, os europeus confiam mais nos dentistas (74%) do que nos médicos (69%). Os menos confiantes nos seus profissionais são os gregos, os cipriotas, os búlgaros e os polacos, enquanto, uma vez mais, os finlandeses se distinguem pela positiva, ao serem os mais crentes na capacidade do seus recursos humanos da Saúde."
in "Tempo Medicina"
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