sexta-feira, dezembro 05, 2008

Os Sentimentos Dos Médicos.

A resposta a um comentário do post anterior que se emancipou para post principal.



Claro que tudo o que o NA disse neste e nos outros comentários está correcto. Mas, há sempre uma nesguinha por onde espreita a generalização e as ideias preconcebidas, que todos inconscientemente vamos bebendo aqui e acolá e para atacarmos as outras profissões, e a que mais está na berra é a minha. E quem não se sente, não é filho de boa gente.

Nestes comentários já várias vezes se disse que os médicos não têm coração, compaixão, não sentem a morte, etc, etc.

Nada de mais errado, mas o que aprendemos na Faculdade é que não nos podemos envolver sentimentalmente nem afectivamente com os doentes.

Eu posso sentir a tristeza mais profunda com o doente das 9:45 (mas guardo-a para mim) porque lhe tenho que dizer que tem um cancro já metastizado, sendo aparenteente saudável, e só tem 40 anos e logo a seguir, ao doente das 10:20, posso dar a mais alegre das notícias pois tudo se encaminhava para uma doença cancerosa, mas a segunda biópsia veio negativa. Não me posso por aos saltos de alegria, porque a seguir pode entrar outro que nunca entenderia a minha alegria, pois sabe que está em fase terminal. Não é fácil, não.

4 comentários:

Anónimo disse...

Caro MEMAI, como reparará pela minha assiduidade no blog, gosto de cá vir, mas deixe-me apenas fazer uma ressalva: NUNCA disse que os médicos não têm coração, compaixão, não sentem a morte, etc. Não é, de perto nem de longe, o que penso. E quando diz que aprendem na Faculdade que não se devem envolver sentimental ou afectivamente com os doentes, não podia podia estar mais de acordo e acho até que não há outra maneira de exercer que não essa. Até porque não raras vezes o sentimento nos tolda a razão. Tal como a mim, quando faço generalizações - obviamente injustas - acerca dos médicos. Não são todos iguais. Cumprimentos, NA

Sahaisis disse...

uhm...esperemos que a segunda biópsia não tenha sido de uma zona inocente...:P e sim os médicos têm coração...no outro dia doutor fiquei espantadissima, descobri que até os cirurgiões têm coração... e pode ser mesmo grande. :) estava um colega seu desolado porque tinha "aberto a doente e voltado a fechar" não havia nada a fazer e ele estava realmente triste.. não é fácil... nada...gerir esta importância que se assume na vida das pessoas quando se é o seu médico...

Anónimo disse...

Viva!!! O primeiro post com humanidade de um médico. Custou mas foi.

É muito melhor admitir-se que se sente mas que não se pode expressar do que se expressar em sentido contrário aos sentimentos para se fingir que não sente. Este ziguezague certamente interfere mais com a objectividade do que o "sinto mas guardo para comigo". Por outro lado só faz com que sejam mal vistos...Portanto, ou se diz "na verdade até tenho pena do tipo" ou se fica calado. Não se diz "Cancro? Grande coisa. Só ontem vi cinco". Isso é gozar com os sentimentos dos outros e dizer-lhes que não vai dar uma atenção especial quando qualquer doente necessita de atenção especial - caso contrário não iria ao médico.

Psiquiatra da Net disse...

Concordo em absoluto com o post...

Para mim, além do sofrimento dos doentes em virtude das suas doenças, só há uma coisa que me confrange mais na profissão: o abandono da parte da família e amigos, a falta de apoio, o estigma de certas doenças.

Concordo em parte com a Mla, mas eu prefiro dizer "É complicado, não é?" e deixar que seja a pessoa a dizer o que sente.

A forma como alguém sente a própria doença ou o próprio sofrimento é única e individual, e há que respeita-lo... Apesar de pensar "eu se estivesse no seu lugar tb estaria triste", o facto é que, muitas vezes, temos surpresas, e os sentimentos das pessoas que temos à frente distam quilómetros dos nossos se confrontados com a mesma situação, ou dos que imaginamos que eles possam ter...

(Por exemplo, uma pessoa a quem tenha sido diagnosticada uma neoplasia depois de um longo processo marcado pela incerteza, e que veja o diagnóstico como um alívio, uma certeza no meio da incerteza...)