A Lolita Explicou-se. O Que Me Aconteceu Hoje, Explica-me. A Madalena S Explicou Aos Dois!
A Lolita explicou-se, embora num tom pouco simpático (“O senhor parece não ter gostado do que eu escrevi aqui. Vejamos se eu me consigo explicar.”).
Não é novidade para ninguém que, a aplicação do termo 'o senhor', em certas ocasiões, tem um significado insultuoso.
Mas é um osso do meu ofício.
Eu sei que para muitos intelectuais, particularmente de algumas áreas do conhecimento, todos os médicos são maus, todos os médicos são exploradores, ou dos sentimentos ou das carteiras, embora a medicina privada, seja tão legítima como a convencionada ou a pública.
O que é importante é que se respeitem as regras éticas.
Mas a lolita não conseguiu compreender o que eu queria dizer interrogativamente com a frase entre aspas, aspas que só por si modificam o sentido de “perder tempo”.
Mas, enfim, o que a lolita não compreendeu, compreenderam os leitores que me escreveram.
O que me aconteceu hoje, talvez faça a lolita compreender. A querida lolita, pois eu sou assim: não me aborreço com ninguém...
À minha frente, um pai doente, sem saber e uma filha. Ele de 50 anos e ela de 25. Ela intelectual, ele trabalhador incansável na sua profissão. Até hoje!
Trazem um envelope com o resultado de um exame requisitado por mim há 5 dias. Não os vejo muito apreensivos.
Mas pelo volume do envelope, fico eu apreensivo. Vejo que traz material para análise histológica.
Há 5 dias, a filha convenceu o pai a vir ao médico, por ligeiríssimas “dores abdominais incaracterísticas” e um emagrecimento inexplicado de 5 quilos.
Feita a história clínica e a observação, decido (a intuição, a muita prática, o “olho clínico”) iniciar o estudo do doente pelo estômago. Solicito-lhe uma endoscopia e digo à filha que era bom que o exame fosse feito com uma certa urgência.
Hoje, perguntei como faço sempre, o que lhe disse o médico que fez o exame, responde-me que o pai entrou sozinho. Mas o pai apenas sabe dizer que lhe deram o envelope para mostrar ao médico. Só sabe que está bem e que tudo não passa de uma preocupação da filha.
Abro o envelope e a primeira suspeita confirma-se: lesões extensas compatíveis com cancro do estômago. Lá estavam os frasquinhos com “os fragmentos do cancro” para confirmação anatomo-patológica.
Que fazer?
Dizer de chofre aos dois: "Olhe tem um cancro no estômago, se calhar já muito avançado. Olhe o máximo que lhe dou são 8 a 12 meses de vida. Para quem defende que se deve dizer TUDO, era isto que EU deveria ter FEITO.
Mas não pode ser assim.
Fui preparando os dois: "Provavelmente vai ter que ser operado, não podemos perder tempo, tem que fazer outros exames. Temos que aguardar os resultados da biópsia", e outras frases que façam pensar!
Arranjei uma desculpa, e pedi à filha para uns dias depois vir falar comigo. Ela compreendeu que a situação não era nada favorável.
Depois se entendesse falar com o pai ou que fosse eu a falar, trataríamos do assunto.
Na despedida, o pai ainda me pergunta, na sua inocência: "E não há dieta? Posso comer de tudo?"
Respondi-lhe: "Use e abuse de tudo até à operação, depois vê-se!"
Mas porquê esta história, sobre o “perder tempo” em sentido figurado, que a lolita não compreendeu?
Imaginemos que o doente tem que marcar a consulta de cirurgia rapidamente, para se caracterizar o seu caso no IPO, para se estadiar a sua neoplasia e para se decidir em reunião de serviço o tratamento a seguir. Imaginemos que essa consulta de cirurgia está cheia de doentes inoperáveis, já estudados, ou já operados e com evolução negativa e que a sua consulta de cirurgia é marcada três ou seis meses depois, porque entretanto está ocupada com casos já decididos?
Isto é apenas um exemplo, que até em termos médicos nem se aplica muito à situação, mas é para que a lolita compreenda o que eu quis dizer com “perder tempo”.
Quem perde tempo é o doente que está à espera da cirurgia, não são os doentes terminais .... esses por cada minuto que passa, ganham tempo!
Mas a Madalena S na história anterior, deixou-nos uma ideia do que são os cuidados paliativos, tratar e preparar o doente e a família...
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