sábado, agosto 14, 2004

A Traição Do Laboratório Genérico!

Hoje foi um dia irrepetível.
Um dia em que, se o trabalho não fosse estar 12 horas de banco, "metia baixa".

Entrar de plantão logo de manhã com uma forte odontalgia (dor de dentes), uma polpite que se avizinha e só pensar na dor, transtorna-me.
Não me posso transformar em doente. Não posso mostrar um fácies de doente, carente de afecto e compreensão. Eu estou ali para tratar dos outros. Não posso inverter as posições.

Os doentes vão aparecendo.

A meio da manhã instala-se uma cefaleia tipo enxaqueca. Nunca antes tal tinha sentido: dor pulsátil, unilateral, ligeira fotofobia. Dia ruim.

Almoço.

Duas horas depois começo a sentir uma epigastralgia (dor de estômago). Esta é habitual. Estou há 3 anos à espera de tempo para repetir a esofagogastroduodenoscopia! (endoscopia digestiva alta).

Os doentes vão desfilando. Os casos vão sendo resolvidos.

Só as minhas queixas é que não: odontalgia, cefaleia e epigastralgia. Mas com a dor de estômago é que não posso. Ainda para mais fico com medo e não tomo qualquer analgésico. Vou à procura de um PPI ou IBP qualquer.

Tanto delegado de informação médica que por aqui vai passando, que alguma amostra de um omeprazol ou outro prazol qualquer deverá estar por aqui esquecida.

Procuro, procuro e não encontro.

Lá está! Em cima de um armário jaz uma embalagem de Omeprazol ITF, cheia de pó. É isso. É um omeprazol genérico. Guardo no bolso da bata e respiro de alívio. Pelo menos a epigastralgia dentro de uma hora poderá estar aliviada.

Continuo a consultar. Mentalmente vou procurando água.
Já sei. Há um colega que trás sempre uma garrafa.
Com a garrafa na mão, uma dor na cabeça, uma no estômago e outra na boca, preparo-me para abrir a embalagem e alcançar o desejado comprimido.

Aberta a embalagem, que vejo eu: rebuçados. O laboratório substituiu os comprimidos por rebuçados, para adoçar a boca aos médicos.
Por isso a embalagem estava abandonada no armário, cheia de pó!

Desiludido, olho para o relógio: são 20 horas. Vou-me embora. Levo comigo o dever cumprido e as três dores que me acompanharam silenciosas nestas doze horas.

São 23 horas. Chego a casa. Vou às últimas do Público. Já tomei o meu omeprazol. Espero que o efeito se inicie rapidamente. Que leio? Não. Não pode ser. Mais sete jovens que morrem numa estrada. Entre 15 e 25 anos. Não há paz na estrada!

Não aguento mais. Vou dormir. Só assim as dores se afastarão de mim.
Amanhã não vou trabalhar.

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