Rezo Por Eles Todos os Dias ….
É terça-feira. Recebo no telemóvel uma chamada de uma conhecida doente.
Pergunta-me se a posso consultar e a uma amiga. Digo-lhe que apenas as poderei consultar na quinta-feira após as 18 horas.
Fica combinado. Quinta-feira aparece, mas não aparecem. Faço o que tenho a fazer e eis-nos na sexta-feira.
Faço o que tenho a fazer. Faço o que estava programado, por estar escalado e a que não posso fugir.
Pelas 16 horas, novo telefonema:
- “Senhor doutor, já cá estamos!”
- “Estão onde?”
- “À sua espera em sua casa, para a consulta, como combinado.”
- “Dona Z, a consulta era para ontem. Hoje só a posso ver depois das nove!”
- “Não faz mal, a gente espera.”
Às nove e meia, chego a casa e lá estão as minhas doentinhas: a Dona Z de 81 anos e a Dona Y de 82 anos. São diferenciadas. Economicamente estáveis. Vieram de táxi, e esperaram 5h30 para a consulta. Reprogramaram o táxi para as 22 horas.
O que eu tinha a fazer era jantar. Mas não janto. Algo me impele para consultar as minhas doentes idosas.
Começo pela Dona Z e pergunto como se entreteu nestas cinco horas.
“Oh, senhor doutor, eu nunca saio de casa, vim apanhar ar puro, respirar, andar, falar com a minha amiga, pois só falo quando venho ao médico. Mas conversamos muito."
Começa a consulta com as queixas habituais, subjectivas, tonturas, dores de cabeça, esquecimentos, e um certo ar triste. Mais triste que o habitual. Encaminho a consulta para esse ar triste. Explica-me que o cunhado faleceu em 2001, a irmã em 2002 e o irmão em 2003. "Acompanhei as suas doenças", diz. Por isso estive muito tempo sem vir à consulta. E choro todos os dias. Mas é pelo meu filho que morreu há 24 anos. Mas rezo por todos eles todos os dias.
Menos hoje, que vim para aqui.
Nem chorei, nem rezei.
Estive a conversar com a Dona Y e passou o tempo.
Posso chamar a Dona Y para a consulta? É que a sua irmã, pediu-me para a acompanhar, porque ela não ouve nada. “É surda como uma porta!” acrescenta.
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