quarta-feira, novembro 12, 2003

"Um dia [no inferno] em Santa Maria." A Minha Experiência como Doente.

Escreve o Mata-Mouros: "Há muito tempo que um artigo num jornal não me dizia tanto. Esmagador na descrição do país que ainda somos.", acerca de um drama por que passou um filho ao acompanhar sua mãe numa ida ao banco do HSM e que faleceu na mesa de TAC. É um drama! E embora só a autópsia possa revelar a causa da morte, o longo tempo de espera, 7 horas, para se obter um diagnóstico (para se fazer um TAC!) não tem defesa possível.

Há cerca de um ano, "Por motivos de saúde que requereram uma opinião urgente de determinada especialidade, desloquei-me por mais do que uma vez à urgência central do Hospital de Santa Maria. Segui todos os trâmites que seguem todos os outros doentes: inscrição, espera, triagem, e aguardei, aguardei e aguardei, observando.
As comunicações móveis e os cochichos entre os vizinhos de cadeira, ambos facilmente audíveis, permitiram que fosse suspeitando dos diagnósticos dos meus colegas de ocasião (longe de imaginarem que o colega de ocasião era um médico-doente).
Como médico, entristeceu-me ver a sala de espera repleta de pequenos casos: pais com filhos com febre, filhos com os pais com febre, pequenos traumatismos, infecções urinárias, lombalgias à espreita de uma chapa, cefaleias e depressões e outras situações menores.

De quando em vez entravam alguns directos.

Um denominador comum nas suas conversas para justificar a vinda ao hospital central era o facto de não terem encontrado uma alternativa personalizada em quem pudessem confiar, isto é, o seu médico de família.
Os próprios reconheciam que poderiam ser tratados noutro local e terminavam assim: não encontrei o médico de família, não o pude contactar, o centro de saúde estava fechado, para ir a outro médico que não conheço, venho antes aqui, etc.
Se estes doentes tivessem uma relação personalizada, próxima do seu médico ou uma pequena equipa de médicos, se os médicos dos centros de saúde fossem responsáveis pela organização dos seus serviços, se ganhassem pelo que produzissem, incluindo consultas telefónicas tipo call-center, não tenho dúvida de que os doentes prefeririam muito mais uma opinião conhecida, que aceitariam e que lhes transmitisse confiança e os médicos sentir-se-iam com mais vontade de trabalhar, se o seu ordenado não dependesse apenas da assinatura mensal da folha de ponto, quer trabalhem no duro, quer cocem as paredes e das muitas vénias ao Sr. Director
".

Este texto tem um ano ao qual dei o título de "As Portas Fechadas".

Este é que é o problema das nossas urgências hospitalares. Lado a lado, a atrapalharem-se e a atrapalharem os médicos e outro pessoal da saúde, estão feridas com meio centímetro e grandes eventrações, estão infecções urinárias e septicémias, estão traumatismos cranianos com massa encefálica no exterior e pequenos "galos", estão paragens cardíacas e neuroses cardíacas e muitos outros exemplos.

Haverá por parte de alguns utentes falta de civismo, mas para muitos, falta de informação ou mesmo de alternativas.

E já agora pergunto: quantos habitantes da blogosfera, não recorreram já às urgências hospitalares centrais por dor de dentes? Por dor de ouvidos? Por dor de *....
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dor
do Lat. dolore
s. f.,
sofrimento físico ou moral;
mágoa, aflição;
pesar;
dó;
condolência, piedade;
remorso.

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